Aos 37 anos e citada como exemplo de perseverança por reitora, a pedagoga dá uma aula de vida.
Silvia Bessa (texto)
Arquivo pessoal (foto)
Apenas uma segunda-feira e Joana se sentia deslumbrante em um longo vermelho e suas mais altas sandálias para celebrar a graduação pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Merecia a pompa: a segunda-feira passada, dia 5 de junho de 2017, foi um marco pessoal, familiar e institucional. Joana acomodou-se na poltrona do Teatro Guararapes, no Centro de Convenções, com outras centenas de formandos e achou que era mais uma. A reitora, professora Maria José de Sena, sabia que significava mais e surpreendeu-a no discurso principal da solenidade. Joana Correia de Araújo era ali exemplo de perseverança, um “orgulho” e sinônimo daquilo que deveria servir de inspiração. Moradora do bairro de Dois Irmãos, Zona Oeste do Recife, Joana desde menina passava pelo portão da vizinha universidade e dizia “um dia, vou estudar aí”. Aos 37 anos, para mostrar que nunca é tarde para começar, Joana diplomou-se como pedagoga. Concluiu a graduação sem nenhuma reprovação e é a primeira dos 14 filhos da família do pedreiro Luiz e da dona de casa Ana a se formar em um curso superior.
Órfã de pai e mãe desde jovem, levou a nova geração para acompanhá-la naquela grande data festiva. Sete sobrinhos, a irmã Maria José e duas cunhadas estavam lá para prestigiá-la junto ao teatro lotado. Saíram da solenidade eufóricos. Quando o nome de Joana foi citado pela reitora, todos de pé. Amigos gritavam o nome dela efusivamente; ex-professores se emocionaram. “Eu não sabia se chorava ou se sorria”, disse ontem, ainda com a voz trêmula de alegria. De uma família humilde, ela foi paciente até chegar onde queria com a firmeza do sonho maior. Nos últimos anos, todo o esforço foi acompanhado por colegas de turma e de trabalho. Joana estudava na UFRPE no período da manhã e trabalhava como prestadora de serviços e recepcionista na própria universidade nos turnos da tarde e da noite.
Primeiro estudou na rede pública de ensino. Sempre gostou de esportes. Como jogadora de handebol da Escola Lions de Parnamirim do bairro onde morava, foi convidada por um olheiro que a ofereceu uma bolsa de estudos no Colégio Independência, na Estância. Ela aceitou. O técnico só falava do potencial dela para o esporte, tanto que acabou como parte da equipe dos clubes Santa Cruz e Náutico. “Ou eu estudava ou me dedicava ao esporte, então precisei deixar o handebol e fui para os estudos”, contou. Ao deixar o handebol, perdeu parte da bolsa. E como continuar se não havia como pagar as despesas mensais? Os treze irmãos se cotizavam e passaram a pagar os estudos da caçula, assim como as passagens dos transportes diários do trajeto Dois irmãos – Tejipió.
Nos anos seguintes, tentou aprovação em faculdades e não conseguiu. Teve uma paralisia facial severa. “Tinha dívidas e fiquei ansiosa. A vida estava difícil”. O emprego em uma espaço de beleza foi providencial para tocar a vida, mas todas as vezes que cruzava a rua da Universidade Rural ela lembrava que era ali que deveria estar para recomeçar. Até que conseguiu prestar vestibular e ser aprovada na faculdade particular Santa Catarina, no bairro da Tamarineira. Uma amiga viu a notícia sobre admissões para universidade por meio de concorrência extra-vestibular. “Fiz a inscrição pela internet. No dia que eu vi meu nome lá como aprovada para a transferência foi uma alegria só na minha casa”. O problema: teria de abandonar o emprego porque o horário da faculdade era diurno.
O estágio que conseguiu como recepcionista de uma empresa que faz o cerimonial da universidade foi o caminho certo para tudo dar certo. Seis meses depois, surgiu um emprego em outra terceirizada também à disposição da instituição que ela tinha como plano final. Entrava na UFRPE às 7h30 todos os dias e só saía às 22h até pouco tempo.
Joana Correia espera agora pela oportunidade do seu primeiro emprego como professora. Enquanto não chega a chance, protocola hoje sua inscrição para tentar cursar uma especialização em gestão pública. Joana está disposta a estudar como sempre e renovar como nunca os sonhos. Os dela e os de seus alunos.