O que vai fazer “as coisas darem certo” é a valorização do trabalho duro, e não o deboche preconceituoso.
Vandeck Santiago (texto)
Alcione Ferreira (foto)
Há um dado intrigante na história do Prêmio Nobel: 26% dos seus ganhadores são judeus, apesar de os judeus representarem apenas 0,2% da população mundial. A razão disso é genética, eles são por natureza mais inteligentes do que as demais pessoas? Não, não é por causa da genética, dizia a geneticista italiana Rita Levi-Montalcini, também de origem judaica e também vencedora do Nobel. É por causa do quê, então? “Por causa da tradição cultural judaica, favorável à leitura e ao estudo”, responde outro cientista judeu, Avram Hershko, prêmio Nobel de Química. Hoje com 79 anos ele ainda tem o hábito de “dedicar cinco horas diárias ao estudo e à investigação”, conforme disse em entrevista ao jornal La Vanguardia, da Espanha (“Nada estimula más el cerebro que una buena conversación”, 28/04/17).
Este artigo, porém, não é sobre judeus e Nobel — uma questão que todos sabemos se move em terreno onde há muito radicalismo e vulnerável a questionamentos de racismo e reducionismo. Este artigo é sobre esforço, dedicação, persistência, trabalho árduo.
Vejamos outro exemplo a partir de livro que acaba de ter sua primeira tradução em português lançada no Brasil, Como escrever bem (Editora Três Estrelas), do jornalista americano William Zinsser. Trata-se de um clássico do gênero, obra de referência para autores de não-ficção, jornalistas e estudantes. Publicado em 1976, nos EUA, já vendeu 1,5 milhão de exemplares e foi traduzido para o alemão, chinês, coreano, italiano, romeno, russo, turco e ucraniano. “Este livro ensina a arte da escrita a jornalistas e editores, mas recomendo a todos. Uma maravilha”, disse sobre ele o mestre Raimundo Carrero. Se você quer escrever bem, termine de ler este artigo e corra a uma livraria para adquirir a obra.
Pois bem, sabe qual é a premissa de William Zinsser para escrever bem? “Trabalho duro”. Escrever bem é resultado de “trabalho duro”, e não de um “talento inato”. Estudar, praticar, dedicar-se — este é o caminho. E não só para a escrita, mas para diversas outras áreas.
Isso não quer dizer, óbvio, que basta você munir-se dos equipamentos necessários, trancar-se em um quarto e praticar até sair sangue para sair lá de dentro como se fosse, digamos, um Raimundo Carrero, um Mozart, um Rafael Nadal. O assunto tem sido objeto de estudos produzidos em universidades, nos últimos anos. Eles mostram que a simples prática da repetição não torna necessariamente ninguém em um mestre. É preciso direcionar a prática/repetição/estudo. Um dos estudos é de autoria do psicólogo Anders Ericsson, da Universidade da Flórida. “A diferença entre o desempenho de um especialista e de um adulto normal não é imutável, isto é, não ocorre devido a um talento genético”, escreveu ele. “Em vez disso, a diferença reflete um esforço deliberado ao longo de toda uma vida para melhorar o desempenho”.
O “esforço deliberado” (ou “prática deliberada”, como o conceito ficou conhecido) de que ele fala não é a repetição mecânica, e sim algo com método (melhor se com a ajuda de um professor), direcionado para melhorar o desempenho, com a busca pelo domínio de técnicas.
Nos últimos dias o noticiário brasileiro trouxe informações sobre atividade em dois colégios, intitulada “Se nada der certo”, na qual os estudantes se “fantasiavam” de profissionais considerados “menores” por eles — porteiros, faxineiras, empregados de lanchonetes… Aquele seria o destino deles “se nada desse certo em suas vidas”. As escolas já se desculparam, e prometeram nunca mais promover esse tipo de atividade. Bom que tenham reconhecido o erro. O que vai fazer “as coisas darem certo” é valorizar o esforço, o trabalho árduo, a dedicação, e não o deboche preconceituoso sobre profissões.