Madri também entra na briga contra homens que incomodam ao sentar de pernas abertas em ônibus e metrô.
Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)
Sim, confundem tudo e quem sai perdendo é a civilidade. Faz tempo que se passou a considerar, abaixo da Linha do Equador, uma pessoa muito educada como “fresca”, alguém cheio de “não-me-toques”, que deveria estar vivendo em uma redoma, não no meio de quem leva a vida matando muitos leões por dia. Ao contrário de países para os quais as relações humanas precisam acontecer sobre um alicerce de respeito – sobretudo quando se trata do direito do outro – insistimos no “salve-se quem puder”. A gentileza e a delicadeza, coitadas, vão recebendo açoites como se fossem duas intrusas querendo mudar as regras de um jogo que já se conhece bem. Enquanto isso, um lado do mundo insiste em convencer que o egoísmo só faz piorar a qualidade de vida de todos – e ele está em pequenos hábitos crônicos da convivência social, os quais, em lugar de combatermos, eternizamos com a desculpa de que se trata de uma “questão cultural”. Que nada. Não passa de omissão pura e simples, porque é mais fácil manter as coisas como sempre foram do que tentar melhorá-las. Madri, por exemplo, acaba de entrar para a lista dos lugares determinados a banir uma postura que pode ser amplamente aceita entre os brasileiros, mas incomoda a muitos espanhóis, em especial a usuários do transporte público. Sabe aquele sujeito folgado, que acha que porque pagou pode se comportar como se estivesse na casa da sogra, sentando com as pernas abertas, sem se preocupar com quem está se espremendo para caber no banco? Pois bem, lá ele virou alvo de uma campanha da EMT, a empresa de transportes do município, e a companhia de metrô aderiu. Nos cartazes pregados nos veículos, vê-se um “x” vermelho ao lado da figura de um bonequinho na mesma posição.
De fato, é constrangedor. Mas, aqui, o silêncio dos incomodados acaba sendo cúmplice da má educação, que se perpetua e se transforma em marca nacional, em risco desastroso no cartão de visitas. Na capital espanhola, o grupo Mujeres em Lucha (Mulheres em luta) conseguiu reunir 12 mil assinaturas num abaixo-assinado virtual que teve como endereço a área de transportes do município. Alegaram, na petição, que não é incomum ver mulheres viajando de maneira desconfortável no sistema público de transportes, porque um homem sentado ao lado invade o espaço delas, ao escancarar as pernas. Também, diferentemente do ritmo do poder público para tomar providências, no Brasil, a resposta ao pedido pelo fim do Manspreading – como o hábito é conhecido em inglês – foi rápida. Significa dizer que Madri passou a integrar, de bom grado, o coro dos descontentes ouvido em cidades dos Estados Unidos como Nova York, desde 2014 empenhada em rejeitar os “pernas abertas” aboletados nas cadeiras do transporte público. Aqui, soam até engraçadas as mensagens “Cara … Pare de abrir as pernas, por favor”, destinada aos novaiorquinos mal educados, e “Cara, Isso é rude”, para os grosseirões da Filadélfia. A área de transportes de Seattle preferiu ilustrar o problema espalhando placas que mostram um polvo viajante com seus tentáculos invadindo as cadeiras vizinhas. Naturalmente, depois de tanto esforço para mostrar o quanto é pouco solidário (e elegante) agir desta forma, o resultado só pode ser mesmo o fim do mau hábito. Para ajudar no combate, a hashtag #MadridSinManspread tornou-se amplamente divulgada.
Se cá entre nós os homens – citando apenas alguns maus hábitos – não apenas andam de pernas escancaradas no precário transporte público como assediam sexualmente passageiras, depredam os veículos e urinam em vias públicas tantas vezes que comprometem a longevidade de monumentos, a conclusão é simples: haveria que existir uma campanha ampla e permanente de reeducação, porque, afinal, cultura nada tem a ver com falta de civilidade. Ela deve ser preservada como referência do que há de melhor em um povo, não o contrário.