Rotina da população tem passado por grandes mudanças com o estranho clima da cidade.
Silvia Bessa (texto)
Paulo Paiva (foto)
A ventania e as baixas temperaturas que cobrem a cidade nos últimos dias mudaram a rotina do Recife. Na última terça-feira, dona Maria Barbosa, de 42 anos, não pôde vender no Bairro do Recife Antigo a tradicional tapioca que paga suas contas há 15 anos. Pernas e braços, enfraquecidos desde quando foi vitimada pela chikungunya há um ano, doíam como nunca. “Piorou muito com o tempo do jeito que está”. Consequências como essas não fazem parte de relatórios oficiais sobre efeitos climáticos, mas quem sofre de articulações garante que os incômodos chegam a ser incapacitantes. Maria precisou pedir ajuda à filha para assumir as vendas na barraca.
Já seu Wilson Santos, que há 30 anos tem um fiteiro na Rua Marquês de Olinda, Centro, viu aumentar a procura pelo cafezinho que vende. De onde mora, as notícias são de que a vizinha Jane, residente do bairro da Bomba do Hemetério, Zona Norte, teve de arcar com prejuízos inesperados porque o telhado de Brasilit que protegia a casa dela “voou”. Na residência de dona Madalena dos Santos, do Jordão (periferia localizada na Zona Sul), os parentes usaram técnicas de amarração do teto para preservar o patrimônio da família.
Lucila Souza, que trabalha como segurança patrimonial há nove anos, acredita que é no trânsito onde se vê maiores impactos relativos às alterações climáticas recentes. Condutora de motocicleta, ela afirma que, para driblar os ventos, reduz em 50% a velocidade com a qual conduz. A visibilidade tem ficado muito comprometida, diz. Trafegar de automóveis tem sido outro desafio nos últimos dias. Com rajadas de até 50 quilômetros por hora, o que é quatro vezes mais intenso que a média normal para o Grande Recife, o trânsito fica lento e as árvores mais vulneráveis. Contabiliza-se mais de vinte chamados sobre árvores. Algumas desabaram, umas até por cima de veículos. Quem opta por deixar o carro em casa, tem relatado a mudança do custo versus benefício do Uber. O preço da corrida dos filiados ao Uber varia de acordo com a demanda. Assim, ontem, a briga entre Uber e táxis tradicionais se inverteu. Teve quem pagou a um táxi R$ 29,00 e preteriu um Uber com corrida para mesmo trajeto, que saía por R$ 50,00.
Ainda em se tratando de negócios: o barqueiro Davyson Renato, de 27 anos, já está pensando no prejuízo que terá. Nos últimos dias caiu muito a procura de turistas para baiteira, um pequeno barco de pesca que ele usa para transporte do Marco Zero até as esculturas de Brennand. “Para mim, esse tempo é um problema. Perco mais ou menos R$ 30 por dia”, calcula. E ainda precisa lidar com imprevistos: depois de um dia de escassez, ontem por volta das 19h ele e o amigo Rafael Souza, de 30 anos, estavam prestes a integrar uma comitiva de homens embarcados às margens do Rio Capibaribe em busca de uma embarcação que desamarrou-se com o vento e se perdeu nas águas.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) divulgou ontem aviso de chuvas que vale até o final desta quinta-feira. Técnicos da Agência Pernambucana de Águas e Climas preveem tempo semelhante amanhã. Quando se trata de saúde, é preciso lembrar que crianças sofrem muito com clima atípico.
Morador da Zona Sul da cidade, o pequeno Heitor, de 4 anos, teve na última terça-feira uma febre de quase 40 graus e foi levado às pressas para um centro de emergência médica. “Heitor tem uma rinite alérgica e pegou uma ventania fortíssima que desencadeou uma crise forte nele”, conta a mãe, Karla Belmonte, lamentando pelo filho, que precisou suspender as atividades das férias quando mal começaram.
Mas, vale mencionar, a rotina de frio e ventos tem suas notícias boas. Ando tendo notícias de casais mais próximos. “A gente sempre arruma um pretexto e o frio é convidativo até para conversar mais”, conta a comerciária Manuela Lopes. Vejo ainda encontros mais caseiros entre amigos. Em ambos os casos, soube que o frio e os ventos trouxeram abraços mais demorados.