17.07

Mesmo com perda gradativa da visão, ela fez três graduações e deseja apoio para o quarto livro.

Marcionila Teixeira (texto)
João Velozo (foto)

Nada de sobrenatural existe na vida de Rilda Velozo, 52 anos. Sobrenatural, diz ela, é alguém achar sua história fora do comum. Rilda, a escritora, é uma pessoa com deficiência visual em processo de produção de seu quarto livro de crônicas e poesias. Algo em torno de R$ 2 mil seriam necessários para lançar a tal publicação, ainda sem nome. Como nos livros anteriores, ela busca apoio na empreitada literária. “Quem quiser ler e sentir-se tocado…”, convoca ela.
Conversei com Rilda, por quase uma hora, na Praça da Républica, perante o Teatro Santa Isabel. Foi ela quem escolheu o lugar. Ali, contou sobre os enfrentamentos tão particulares surgidos ao longo das últimas cinco décadas. Experiências comuns a qualquer ser humano, faz questão de reforçar.
Rilda é formada em história, psicopedagogia e psicologia. Sempre escreveu textos para ler em festas de família. Quando era adolescente, uma de suas principais formas de lazer era a leitura. Tinha um número incontável de livros em casa. E ali se apaixonava mais e mais pelas letras. Transformou-se em uma verdadeira devoradora de livros. Até hoje é assim. Lê pelo menos uma publicação por mês. Média invejável para a grande parte dos brasileiros. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do ano passado, aponta que 44% da população brasileira não leem e 30% nunca compraram um livro.
Seu primeiro livro foi lançado em 1998. Aventuras de Pingo era direcionado ao público infantil. Em 2002, lançou Vizinho para que te quero. Além desse, Rilda escreveu Criança sofre? (2009) e Caras Metades (2013). O vácuo de quatro anos entre o último e o próximo lançamento terminou por acumular mais de cem textos. Uma produção ao mesmo tempo crítica e bem humorada. Porque é assim que Rilda se apresenta.
Rilda também é professora aposentada pela Prefeitura do Recife. É engajada em movimentos políticos e culturais. Junto com a irmã, a atriz e diretora de teatro Ruty Velozo, montou um monólogo do livro Caras Metades. “Sei que as pessoas não gostam de ler. A gente não lê palavras, a gente vê o mundo, já dizia Paulo Freire. As pessoas fazem isso no meu monólogo. Leem meus livros pelo mundo.”
Na última enchente na Mata Sul, Rilda deixou seu apartamento com cerca de 50m2 para cruzar os corredores de seu condomínio em busca de doações para os desabrigados. Pediu não porque acredita em uma chuva cruel, daquelas que castigam, como costuma bradar a mídia. Pediu porque acredita que faltam obras governamentais para tirar tanta gente do risco das tais enchentes. Na época, foi até convidada para dar uma entrevista para uma TV local diante do gesto solidário. Sua atitude estimularia outras pessoas, disseram-lhe na época. Negou-se a fazer a matéria porque imaginava que o outro lado da história, a tal ausência governamental, não sairia na reportagem. “Para mim, política é lutar por sermos humanos solidários , fraternos. Lutar para que as pessoas se respeitem em suas diferenças.”
Para escrever seus livros, Rilda usa um programa de voz, o software NVDA. Mas, pontua ela, não existe mais difícil. Existe diferente.
Máxima, por sinal, posta em prática todos os dias de sua vida. Há 17 anos, Rilda experimentou, ao mesmo tempo, o fim do casamento, a descoberta de ser mãe de Pedro, um bebê com Síndrome de Down, e a perda gradativa da visão. “Acredito que a gente pode se surpreender e lidar com as surpresas.” Como gente, diz Rilda, era necessário seguir, produzir. E assim fez. Mesmo sabendo que no dia seguinte poderia não estar enxergando sequer um copo à sua frente.
Rilda só se arrepende de não ter aprendido outra língua, como o inglês. Na época, por crenças políticas, hoje enterradas bem fundo. Se tivesse aprendido outros idiomas, se comunicaria mais fácil com “outros humanóides”, brinca. A entrevista chega ao fim. Rilda parte caminhando ao lado do namorado, Otávio. Deixa em mim um sabor de otimismo pelo resto do dia. Mas, como me disse ao longo da entrevista, nada de sobrenatural existe na vida de Rilda Velozo, mãe de Pedro, 17, e João, 22, autor da foto acima. Sobrenatural mesmo é alguém achar sua história fora do comum. Quem quiser adquirir suas publicações ou apoiar o quarto livro pode entrar em contato pelo email rildavelozo@yahoo.com.