27.07

Internet e redes sociais não são as vilãs do ecossistema em que prosperam notícias falsas.

Vandeck Santiago (texto)
Julio Jacobina/ DP (foto)

Do jeito que vão as coisas, logo teremos que espalhar pelo país cursos de formação de leitores, capazes de fornecer instrumentos para que as pessoas possam distinguir se a notícia que está lendo é verdadeira, fake ou parcial. Nos tempos em que vivemos, o presidente da nação mais poderosa do planeta divulga informação falsa, é contestado e socorre-se na afirmação: “Mas tá na internet…”. Não sei se é o caso dele, mas não só no seu país como no nosso e em diversos outros, há pessoas que acreditam no que lhes chega pela internet e até compartilham a informação, passando adiante a mentira. E não se trata de um comportamento motivado pela nível escolar de quem o pratica — entre os que agem assim tem gente de ensino médio e gente com distintos diplomas na parede. Tem gente que o faz por má fé e outros por inadvertência ou ignorância. Também não se pode dizer “dessa água nunca beberei”, porque são tantas as informações, circulando em segundos, que até os precavidos às vezes escorregam no teclado e repassam como verdadeiro o que é fake.
A bem da verdade, transmitir informações falsas não é uma prática nova. Ter quem acredite nelas, também não. O caso mais famoso desse fenômeno aconteceu em 30 de outubro de 1938, nos EUA, quando a rede de rádio CBS deu em edição extraordinária (ou seja, interrompendo sua programação normal) que uma cidade (Grover’s Mill) do estado de Nova Jersey estava sendo invadida por… marcianos. O modelo da cobertura seguia aquele que era típico das coberturas no rádio: especialistas e testemunhas dando entrevistas, repórteres entrando ao vivo do local dos acontecimentos, gritos de pessoas ao fundo, som ambiente… O programa — na verdade, uma peça de radioteatro, e não uma notícia — durou uma hora. Durante esse período o pânico espalhou-se por diversas cidades. No dia seguinte um jornal deu manchete sobre o ocorrido: “Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos”. Como vocês sabem, o programa era a dramatização de A Guerra dos Mundos, livro de H. G. Wells, que conta a invasão de marcianos à terra. Foi dirigido por um jovem que mais tarde todos celebrariam como genial cineasta, Orson Welles.
Algumas nuances: a diferença aí é que o objetivo dos autores do programa não era criar algo que depois ficasse sendo considerado como um fato verdadeiro. Outra diferença é que naquela época não havia internet, meio por excelência das fake news. Aqui se impõe uma ressalva fundamental: demonizar a internet ou as redes sociais é pegar o caminho errado da abordagem. A internet é só um meio de acesso à informação. A interpretação quem faz somos nós, que acessamos seu conteúdo. Desde criança as pessoas aprendem a utilizar as diversas oportunidades que este meio oferece — correio eletrônico, aplicativos, redes sociais, produzir e baixar vídeos etc. Mas, paralelo a isso, não há um ensinamento sistemático de como filtrar a informação que chega, de análise do conteúdo, da observação das fontes que o divulga. Não há os instrumentos do pensamento crítico.
E aqui a gente vai para um exemplo que me ocorreu durante palestra na Faintvisa (Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão). Muita gente criticando a imprensa, que era parcial, que de fulano só falava mal e de beltrano só falava bem, e aí levanta-se uma garota pertencente ao MST (estava com a camisa do movimento; o debate era sobre as Ligas Camponesas) e diz mais ou menos o seguinte: “Em vez de esperar que a imprensa mude, deveríamos investir na formação de leitores capazes de ler criticamente as notícias”.
Bingo. É exatamente isso. Raciocínio ao qual se agrega o fato de que a formação do pensamento crítico não se circunscreve à interpretação de notícias fakes ou parciais. Na voragem de dados e informações com que somos bombardeados hoje, o pensamento crítico tem efeito prático em diversas áreas. É uma das disciplinas, por exemplo, do mestrado em negócios da Universidade de Rotterdam (Holanda). Na Universidade de Stanford (EUA) foi criado um programa de aulas que dá aos alunos formação para identificar a veracidade das informações que recebem. O conteúdo está disponibilizado na internet (olhaí, na internet…) e já foi baixado mais de 3,5 milhões de vezes.
Não é o único, mas um dos melhores antídotos contra políticos, veículos de notícias, programas, movimentos e organizações que tentam nos fazer de idiotas ainda é o pensamento crítico.