04.08

 

“Bom dia, quer bombom, água, o ar está agradável?”

A gentileza de condutores é um dos pontos altos do Uber, além do controle do cliente sobre gastos e tempo.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Vendi o carro e até receber o próximo, com previsão para o dia 20 de agosto, seriam quase três meses. Exatamente por ter veículo particular, passava ao largo das polêmicas envolvendo o Uber, Startup nascida em San Francisco (Estados Unidos), que se alastrou por 200 países e hoje vale cerca de US$ 68 bilhões, de acordo com levantamento da revista Forbes, especializada em revelar a saúde das maiores fortunas do planeta. Aquele seria um tempo razoável para avaliar o serviço, tanto do ponto de vista do usuário quanto dos prestadores. A todos só disse que era jornalista depois de ouvi-los, o que, evidentemente, causou alguma apreensão, embora as opiniões em nada tivessem contribuído para ameaçar a permanência de qualquer um deles na empresa. Foram sinceros, sem exageros – em relação à oportunidade de ter um ganho extra e à lamentada “mordida” na remuneração, que leva deles, a cada corrida, 25% do valor final.
O aplicativo Uber chegou feito furacão, no Brasil, para a insônia de empresas e motoristas de táxis comuns, que olharam em direção ao novo negócio como para um rival muito superior – jovem, rico, competitivo, moderno, propondo cuidar com mais carinho do que mais dói no cidadão comum quando se trata de sobrevivência – o bolso. E vieram os enfrentamentos e esperneios públicos, as ações judiciais, as acusações e tudo o mais que não interessava à clientela, satisfeita com vários aspectos da novidade, porque diferencial tem o poder de encantar: o precinho, a educação dos motoristas (“Bom dia, quer bombom, água, o ar está agradável?”), a possibilidade de controlar o tempo de chegada do veículo e a apresentação antecipada do preço, sem medo de o condutor se aproveitar do pouco conhecimento do cliente sobre o trajeto para fazer o valor final da corrida dar um pulo, enfim, tudo parecia sob medida para agradar. E, de fato, o serviço só cresce.
Ao entrar em qualquer dos carros para mais uma corrida, a pergunta dirigida ao motorista era sempre a mesma: “O senhor está satisfeito com o serviço?”. E a resposta manteve-se positiva, embora tenha havido lamentos unânimes em relação à taxa cobrada pelo aplicativo, assunto que fez o CEO (presidente) da empresa, Travis Kalanick, recentemente, se exaltar além da conta quando ouviu a mesma queixa do motorista Fawzi Kamel, que o conduzia. Quanto mais se Kamel estivesse cadastrado no Recife, onde buracos, insegurança e trânsito caótico conspiram contra a sanidade e a satisfação de qualquer mortal, sem falar no aumento do preço da gasolina. Quando ela sobe, o valor da corrida não é reajustado e a maioria não tem capital para equipar os carros com gás, o que exige investimento próximo de R$ 5 mil. Na opinião deles, a tarifa de 15% estaria de bom tamanho para os dois lados. Mesmo assim, gente que já se aposentou ou está sem emprego formal coloca as mãos para o céu quando lembra que uma renda de cerca de R$ 3 mil, embora conseguida às custas de muitas horas ao volante, durante o mês, ajuda muito. “Ruim com ela, pior sem ela”, conformam-se.
A propósito do achatamento dos ganhos em função, sobretudo, da tarifa de uso do aplicativo, motoristas de Nova York e de Londres já estariam colocando em prática estratégias para burlar o algorítimo do sistema e forçar o aumento do valor cobrado nas corridas: juntam-se em determinado ponto, desligam o app, faltam carros, a demanda dispara e os preços, junto com ela. Na relação entre motoristas e o aplicativo, muitas águas ainda vão rolar embaixo da ponte, mas o que ambos talvez pressintam é que o sacrifício financeiro a que são submetidos taxistas comuns e a prática de tarifas mais altas, em função de custos espinhosos para os empregados, vai acabar por decretar o fim do serviço convencional. Em um futuro muito próximo, a expectativa é de que, à sombra do sucesso do Uber, aplicativos semelhantes se multipliquem e a atividade passe a ser regulamentada. Na outra ponta do processo, há até empresários que se negam a usar o serviço por enxergar alta exploração do trabalhador, que, não tendo vínculo, não recebe além do que ganha pelas corridas. Estão certos, porém a sobrevivência tem falado mais alto num país onde a economia virou uma incógnita.