Isaías, sete amigos, os robôs e o título mundial
Equipe da rede municipal do Recife é a melhor das Américas: o que isso mostra sobre capacitação?
Silvia Bessa (texto)
Irandi Souza (foto)
A lasanha de carne moída, queijo e presunto já assava no fogão da residência da família Silva, localizada na Iputinga, no Recife, ontem por volta das 18h. O prato, o preferido de Isaías, foi feito cuidadosamente pela mãe, Marleide da Silva Costa. Isaías tinha desembarque no Recife previsto para início da madrugada desta quinta-feira e vinha de longe. Do Japão. Na terça-feira, ele havia telefonado informando que estava entrando no avião e que cumpriu a sua missão. Marleide, uma auxiliar de serviços gerais que trabalha em uma escola pública do Recife, estava orgulhosíssima do caçula dos sete filhos e se dizia ansiosa. “Não vejo a hora de ver ele”. Isaías Silva Filho, 14 anos, aluno da rede municipal, é parte de um time de oito adolescentes com idade entre 13 e 16 anos que se consagrou no RoboCup, campeonato mundial de robótica, realizado na cidade de Nagoya, no Japão.
“Eu sempre falava com ele pelo whatsapp. Minha preocupação era perguntar se ele estava feliz”, disse-me a mãe ontem, pouco antes de se trocar para seguir até o aeroporto internacional acompanhada de uma das irmãs de Isaías, Danaabemayde, e da sobrinha Alexia. “Ele me dizia que estava com saudade”, contou Marleide, satisfeita, como se o sentimento do garoto sintetizasse o amor pelos que ficaram. O desafio dele e dos colegas da equipe intitulada Robotec GB era montar robôs em formatos de veículos com encaixe de Legos e programar o invento por meio de computador de maneira que ele realizasse um percurso com obstáculos, resgatasse um objeto em menor tempo possível. Foram aplaudidos.
Dona Marleide deve mesmo estar satisfeita e, ao lado dela, existem muitas outras mães, pais, irmãos, amigos, professores e comunidades inteiras. O feito de Isaías, de Paulo Poan (13), Maria Eduarda Oliveira (13), Tiago Roberto dos Santos (14), Miguel Santos (14), Ryan Vinícius Morais (16), Estêvão Pereira (16) e Silvestre Lima (16) é realmente incrível, em especial quando se fala dos protagonistas. Todos são oriundos de áreas periféricas do Recife, com baixa renda familiar.
A equipe de robótica municipal formada por eles foi classificada como a melhor das Américas e finalizou o campeonato entre as oito melhores. Ficaram à frente de alunos de países como a Alemanha, Estados Unidos, Austrália, Itália, Canadá, Rússia e Portugal, em um acirrado campeonato do qual participaram um total de 37 equipes de outros 30 países no chamado nível 2, que envolve meninos e meninas com idade até 18 anos.
A conquista dos meninos – com a orientação dos coordenadores do Programa Robótica na Escola, Cid José Espíndola e Suely Bezerra, do monitor Victor Hugo Sabino e da professora Maria Mércia Botelho, da Utec Gregório Bezerra – tem um significado maior. Primeiro, por não ser a primeira vitória deles. A mesma equipe foi campeã na Olímpiada Brasileira de Robótica (OBR) em 2016 e parte desta composição fez também história na RoboCup disputada na Alemanha, ano passado. Segundo, porque o resultado é colheita daquilo que a sociedade sempre cobra: investimento na educação. De acordo com a prefeitura, mais de 74 mil alunos da rede municipal têm contato desde 2014 com o Programa Robótica na Escola desde 2014; 4.554 profissionais entre professores, coordenadores e dirigentes, participaram de oficinas, treinamento e campeonatos com os estudantes.
Parece informação com tarja oficial, mas faço questão de destacar porque vejo algo que não está nos números nem nas propagandas governamentais: fico pensando no impacto que o contato com um mundo tão moderno e tecnológico pode causar nesses meninos, na ampliação de horizontes e ambições para milhares de alunos. Nas famílias transformadas, estimuladas a buscar melhorias para seus filhos. Na coroação de um empenho dado por uma premiação como esta da RoboCup, de nível mundial.
Nas palavras ditas por Marleide, a mãe de Isaías, enquanto o menino dela não chega. Ela, uma auxiliar de serviços gerais que talvez não possa oferecer tantas oportunidades iguais ao filho: “A coisa que ele mais gosta na vida é viajar. Espero que tenha mais pela frente”. À frente de Isaías e dos robôs que ajudou a erguer está o mundo novo.