Aos 21 anos, ele deseja custear mastectomia para se sentir melhor no próprio corpo.
Marcionila Teixeira (texto)
Gabriel Melo/Esp. DP (foto)
O maior desejo de Dante Olivier Galindo Alexandre, 21 anos, é tirar as mamas. No último dia 20 ele lançou uma campanha virtual para arrecadar dinheiro e submeter-se a uma mastectomia na rede privada de saúde. Dante é acompanhado no Espaço Trans do Hospital das Clínicas (HC) há um ano e nove meses. Poderia passar pela cirurgia na unidade de saúde pública. O problema, diz ele, é o tempo de espera. Pelo menos dois anos. Mas Dante tem pressa. Deseja ter a saúde de volta e ficar em paz com o próprio corpo. Olhar no espelho e se perceber como um homem que é. Após completar o mínimo de dois anos de atendimento pela equipe multidisciplinar do HC, como determina a legislação, pretende custear a própria cirurgia.
O HC atende hoje 260 pessoas trans, sendo 180 mulheres trans e 80 homens trans. A procura pelo serviço é grande porque a unidade é referência no assunto em todo Norte e Nordeste. O número de médicos, no entanto, não alcança a alta demanda de pacientes. Além disso, a unidade tem apenas dois mastologistas para atuar com todos os pacientes e uma das médicas precisou sair de licença, o que deixou o andamento da fila de mastectomia em homens trans mais lento, pois a prioridade são as mulheres com câncer de mama.
Dante, por exemplo, é o 27° da fila de cirurgia entre os homens trans. Isso porque, antes dele, outros terão concluído o atendimento de dois anos e estarão na fila aptos para a cirurgia. Se a média é de uma operação por mês, ele precisaria esperar mais de dois anos para ser submetido à intervenção. “Quero ser eu mesmo, sem amarras. Estar livre. Para mim, a retirada das mamas é sinônimo de liberdade”, refletiu Dante.
Estudante de artes cênicas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Dante completa dois anos de atendimento mínimo obrigatório no HC em outubro. Por isso, já lançou a campanha. “Se for considerado apto, já faço a cirurgia na rede privada em outubro mesmo”, acrescentou. Ele calcula que precisará de R$ 6 mil a R$ 9 mil.
O HC atende hoje 80 homens trans, mas a demanda tem crescido tanto que outros 20 aguardam na fila para começar o atendimento de dois anos. Pelo menos quatro pessoas são aceitas a cada mês. Durante o tratamento, são acompanhados por enfermeiros, assistentes sociais, psicólogo, clínico, urologista, endocrinologista, otorrinolaringologista e fonoaudiólogo. Hoje, cinco deles são considerados aptos para a cirurgia de retirada dos seios. Dante mora com os pais e a família apoia a iniciativa.
O chefe da Divisão de Gestão do Cuidado do HC, Tiago Feitosa, explicou que, até o final do ano, as cinco pessoas aptas estarão operadas. “Chamamos uma nova mastologista e ela já assumiu o posto no final de maio. Nos meses de junho e julho, ela ajudou nas cirurgias de mulheres com câncer de mama e, a partir de agosto, deve retomar com os pacientes trans”, explicou. Feitosa destacou que, nesse período, os homens trans continuam com acompanhamento com endocrinologista, com foco em hormonoterapia, e com fono, para tratar a voz. Desde 2014, quando o hospital foi considerado apto pelo Ministério da Saúde para fazer cirurgias em mulheres e homens trans, cinco homens trans passaram por mastectomia.
Antes disso, um professor realizava, com técnica própria e na cadeira de ginecologia, a redesignificação em mulheres trans, ou seja, retirada do pênis e do escroto para concepção de uma vagina. No Brasil, a cirurgia de redesignificação em homens trans ainda é experimental. Nem todos os homens trans desejam a retirada do seio, assim como nem todas as mulheres trans desejam colocar prótese durante o atendimento no HC. Segundo Tiago Feitosa, muitas já chegam com seios.
A resolução 1.955/2010, do Conselho Federal de Medicina, autoriza a cirurgia de transgenitalização. Além dela, a portaria 2.803, do Ministério da Saúde, de 2013, normatiza o atendimento. Ambas valem para as redes pública e privada. De acordo com a legislação, as pessoas trans não podem se submeter à cirurgia sendo menores de 21 anos e sem passar, no mínimo, dois anos, em atendimento multidisciplinar. Entidades de defesa das pessoas trans, no entanto, defendem a redução desse atendimento para seis meses e a idade mínima de 18 anos para se submeter ao procedimento. Outro pleito é iniciar o tratamento hormonal ainda na adolescência e retirar a transexualidade do Cadastro Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde, onde é tratada como transtorno psiquiátrico.
Na tentativa de ser reconhecido como homem, Dante amarra os peitos com faixas, esparadrapo ou um colete. Isso tem gerado nele problemas de coluna, alergia e dores fortes no mamilo. Quem quiser ajudar na campanha pode acessar o endereço https://olivierdante.wixsite.com/crowdfunding.