A ideia do cohausing, proposta de morar em comunidade, ganha força no mundo e começa a surgir no Brasil
Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (imagem)
E eis que os 50 anos batem à porta trazendo junto questionamentos nada tranquilizadores sobre como será o amanhã, se de fato se cumprir o que dizem as pesquisas sobre envelhecimento e aumento da longevidade no mundo. Os que se aproximam da “fronteira” fazem parte, afinal, de uma geração que nunca se imaginou como peso para os filhos ou vivendo os dias da maturidade no meio de desconhecidos abrigados em instituições geriátricas convencionais, longe dos amigos de uma vida inteira. No entanto, ao lado da angústia sobre o futuro existe o consolo de saber que esta é uma preocupação mundial e que existem interessantes propostas como o modelo de comunidade conhecida pelo termo cohausing, surgido na Dinamarca nos anos 1960, já em vias de se popularizar em países como o Canadá e os Estados Unidos, mas ainda ensaiando os primeiros passos no Brasil. São como condomínios ou vilas onde as famílias ocupam casas/apartamentos, mas dividem áreas comuns de lazer e serviço e se submetem a regras de funcionamento que permitem manter as dependências sempre em ordem. Baseiam-se no conceito de moradia sustentável onde os próprios moradores respondem pela administração do espaço e desenvolvem uma convivência colaborativa que acaba por estimular a solidariedade e oxigenar as relações de afeto. Em tempos de tanta indiferença e intolerância, é um ganho e tanto.
A sensação de se sentir literalmente “em casa”, num modelo assim, tem ainda uma série de vantagens que acabam aliviando o bolso, pois a divisão das despesas termina por gerar economia significativa. Contudo, não é este exatamente o lado que interessa mais a quem deseja passar o resto da vida numa cohausing. Coisas como partilhar o lado material (dividir carona, emprestar bicicleta ou ferramentas …) são lições de companheirismo que vinham sendo engolidas pelo automatismo nascido da rotina, quando a aposentadoria ainda nem era cogitada. Sem falar na opção por práticas de sustentabilidade que começam no tipo de arquitetura e recursos escolhidos para os imóveis – telhados verdes, energia natural em alguns ambientes e solar na maioria, aproveitamento da água da chuva e equipamentos de reciclagem de lixo. Também o voluntariado parece algo que chama a atenção no modelo, pois é comum que tempo livre funcione como moeda de troca a serviço do bem-estar de todos. Vizinhos se oferecem para tomar conta de crianças ou de pessoas doentes, quando a necessidade se apresenta, outros trabalham na horta comunitária e há um “tabuleiro invisível” onde estão disponíveis as aptidões da quase totalidade dos moradores. Socorrer-se, sem dúvida, é o lema que sustenta a convivência em comunidade.
Desde 2013 o modelo vem despertando interesse no Brasil a partir de São Paulo, com escritórios de arquitetura especializados em projetos sustentáveis movimentando a tendência, que tenta chegar ao padrão definitivo através da opinião dos investidores manifestada nos muitos encontros. Em Cuenca (Espanha) o condomínio da “república” Convivir reúne, em apartamentos, 87 sócios com uma média de 70 anos. Mais ativos, impossível: fazem ginástica, caminham, têm aula de risoterapia, jogam, ouvem música, recebem oficina de macramê, todas atividades geralmente ministradas por condôminos que passaram a vida trabalhando naquilo que repassam aos colegas. Além disso, o dinheiro vindo de cada novo integrante da cooperativa entra para um fundo social usado no caso de alguém necessitar de ajuda financeira mais expressiva em tratamentos de saúde. Não muito longe da cidade de Austin (Texas, EUA) quatro casais de amigos se juntaram para construir a vila Llano Exit Strategy, com casa de apenas 32 metros quadrados, mas lindas, aconchegantes e sustentáveis. Ou seja, a velhice ameaçada pelo estigma do pijama e da cadeira de balanço, vivida em abrigos, asilos ou repousos geriátricos tradicionais está em vias de se tornar página virada de uma história de sofrimento e abandono. Ao menos em relação a isto, ainda bem que os tempos são outros.