A história de uma foto de 1993 e as semelhanças da caravana petista de ontem e de hoje.
Vandeck Santiago (texto)
Narciso Lins /DP (foto)
Lula chega hoje ao Recife, em nova caravana pelo Nordeste, e eu me lembrei desta foto, do amigo de saudosa memória Narciso Lins. Foi tirada há 24 anos, entre 12 e 13 de março de 1993, em Mirandiba, município do Sertão pernambucano, a quase 500 km do Recife. Não sei se o casebre ainda está lá. Não sei o destino dessa senhora, não sei que futuro tiveram essas três crianças, não sei se pelo menos um dos três cachorros se chama Baleia. Mas conhecer a história que esta imagem retrata ajuda a entender algumas coisas do Brasil de hoje.
Lula foi para lá a partir de um telefonema que recebeu do então prefeito da cidade, Nelson Pereira de Carvalho, o único petista eleito prefeito no Sertão pernambucano. O Nordeste estava sob o terceiro ano de seca continuada e sofrendo com a epidemia do cólera (que atingiu o país, mas teve seu maior impacto na região). O prefeito Nelson então ligou para ele pedindo ajuda, porque a situação no município era desesperadora. Lula comentou que não ocupava cargos (o presidente da República era Itamar Franco, PMDB), não dispunha de verbas, não poderia fazer nada para ajuda emergencial ao povo de Mirandiba. Mas sua presença daria visibilidade nacional ao drama da população sertaneja — ele viajou para lá, visitou áreas atingidas e reuniu-se com sindicalistas rurais, integrantes da Igreja Católica, prefeitos (de vários partidos partidos) e gente do povo. O debate estimulou um dos prefeitos, Augusto Cézar (PDT), de Serra Talhada, a defender uma medida radical: ocupar o prédio da Sudene, no Recife. Dessa forma, considerou Augusto,”o Brasil vai tomar conhecimento do que está acontecendo aqui”.
A proposta de ocupar a Sudene não foi de Lula. Prefeitos e líderes sindicais a endossaram e a ocupação ocorreu em 19 de março daquele ano. Cerca de 500 manifestantes ocuparam o prédio e impediram o então superintendente Cássio Cunha Lima (hoje senador pela PB) e mais cinco diretores da autarquia de saírem de lá. Só os liberariam se Itamar Franco liberasse verba prometida há um ano; e exigiam não distribuição de cestas básicas na região, mas um programa de medidas permanentes de combate à seca e de criação de trabalho. Uma comissão foi formada e seguiu para Brasília. O prédio só foi desocupado com liberação de uma parte da verba e com o compromisso do governo federal em atender as reivindicações. Abruptamente o Brasil tomou conhecimento da gravidade da situação — as velhas respostas não eram mais suficientes para satisfazer a necessidade das pessoas e conter suas reações.
Um mês depois Lula iniciou caravana por estados do Norte e Nordeste, entre 23 de abril e 12 de maio. Muitos dos locais visitados eram os chamados grotões, aqueles municípios sem relevância eleitoral e onde se votava majoritariamente em candidatos conservadores. Em Monte Santo (BA), perto de Canudos, um trabalhador rural perguntou por que a cor do PT era a vermelha — não era coisa de comunista? Aquele tipo de temor já estivera presente na campanha de 1989, quando ele foi derrotado. Segundo o jornalista Ricardo Kotscho, assessor que o acompanhava, Lula respondeu que o vermelho não tinha a ver com simpatias pelo comunismo, e que a cor poderia ser vista de várias formas — como o sangue de Antônio Conselheiro, das crianças que morriam antes de completar um ano de vida, dos trabalhadores rurais assassinados, de Cristo.
Durante toda a caravana de 1993 houve cenas de envolvimento emocional espontâneo da população local — a maioria dos lugares nunca tinha recebido a visita de um presidenciável — com Lula. Ele perderia a eleição do ano seguinte, e também a de 1998. Só se elegeria presidente em 2002. A essa altura a população do Nordeste, sobretudo os mais pobres, já tinha migrado em massa para o seu palanque. As incursões aos redutos da pobreza, como a zona rural de Mirandiba em 1993, pavimentaram o caminho para que isso acontecesse.
Na caravana que chega hoje ao Recife se estabelece uma espécie de revival daquele clima dos anos 1990 — que aparentemente se perdeu nos gabinetes da esquerda no poder, nos últimos sete anos. O combate contra a desigualdade social e de renda cedeu lugar a diversas bandeiras, fragmentadas, justas na essência mas de alcance restrito. Como se o coletivo tivesse dado lugar a vários grupos de indivíduos, cada um com sua reivindicação específica.
Se Lula vai conseguir superar suas pendengas jurídicas e ser candidato, ninguém sabe. Se é o candidato oportuno para o momento, isso depende da opinião de cada um. Mas, ao que tudo indica, a luta contra a desigualdade exigirá em 2018 um candidato para si.