25.08

Consumir por impulso é um transtorno cujas vítimas são conhecidas como oniomaníacas, mas ele tem controle.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Vitrines são um dos símbolos mais fortes do capitalismo e um desafio gigantesco para quem não consegue resistir a elas. Mas cair em tentação tem preço altíssimo, muitas vezes superior à dívida contraída, que acaba levando a situações desesperadoras e a um diagnóstico só: a pessoa é um oniomaníaco – perfil enquadrado nos Distúrbios do Controle do Impulso – e precisa de ajuda, não de críticas. Mesmo com a crise econômica batendo à porta, mesmo sem conseguir administrar o orçamento básico, aquela vontade de consumir assume proporções gigantescas e a volta para casa termina sendo na companhia das sacolas e também do arrependimento, que surge depois de realizada a compra. A propósito, os sentimentos da emoção negativa estão sempre à espreita das vítimas cujo perfil a psicologia desenha como deprimidas, com baixa autoestima, carentes ou afetadas por um vazio existencial. Tais situações seriam compensadas pelo ato de adquirir algum objeto, embora o alívio experimentado mostre-se breve e logo dê lugar à culpa.
Diante do surgimento de tantos compradores compulsivos, as estatísticas passaram a chamar a atenção da Organização Mundial de Saúde (OMS). O alerta sobre o descontrole começou a ser dado com mais veemência em 2007 quando chegou-se à conclusão de que o problema já afetava 3% da população brasileira, número três vezes superior aos Estados Unidos, país identificado, entre outras coisas, por consumir em larga escala. Em todo o mundo, estima-se que as vítimas estejam entre 1,1% e 5,9% da população, o que realmente é um assombro e uma justificada preocupação, pois ele acarreta perda da qualidade de vida, a pessoa enfrenta os mesmos danos causados por vícios como o álcool e o jogo e, também, é exposta a severas consequências físicas decorrentes da abstinência: irritabilidade, ansiedade, sudorese, dispnéia.
Estudos afirmam que mulheres são as mais atingidas (proporção de quatro para cada homem), enquanto tentam provar que elas se acham mais suscetíveis aos agressivos apelos da publicidade, além de encontrar no cartão de crédito o aliado perfeito. Esses estudos revelam que mais de 7 milhões no Brasil utilizam o “dinheiro de plástico” simplesmente por não ter paciência de poupar para comprar à vista, mesmo com juros exorbitantes, na casa dos 423% ao ano. Grave, sim. Mas se compulsão não tem cura, ao menos tem controle e é nisso que apostam grupos de autoajuda espalhados pelo país sob nomes como Devedores Anônimos, além de instituições com a importância da USP, cujo trabalho inspira outras instituições, entre elas o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), atualmente à procura de interessados em participar de um segundo grupo de apoio a oniomaníacos, com reuniões previstas para as tardes de sexta-feira, no seu Centro de Tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (C-TOC/Unipeclin). Como na USP, o trabalho começa pela linha da psicoeducação, que é quando o paciente recebe todas as informações sobre o problema para que se reconheça vítima dele, pois não se pode tratar um mal quando se nega a admitir sua existência.
Nada compreendido e sempre comparado a alguém irresponsável, perdulário, o oniomaníaco é um candidato em potencial a ter as emoções negativas afloradas, mas pode reencontrar o equilíbrio se receber o devido apoio e esclarecimento. Afinal, atire a primeira pedra quem já não precisou de ajuda para redescobrir o caminho que leva a uma melhor compreensão de si mesmo e de suas circunstâncias. Assim como qualquer dependente, ele se debate entre o vício e a necessidade de sobreviver longe dele, o que é uma luta árdua e muitas vezes desigual, pelo bombardeio incessante de tentações para que siga buscando aquietar angústias pela via do ter e não do ser. Uma ilusão. Contra ela, ainda não inventaram melhor remédio do que a solidariedade de quem sabe o quanto é bom e saudável o consumo consciente.