A ação da Compesa que denunciou bares por desvio traz reflexão sobre o que é aceitável no cotidiano.
Silvia Bessa (texto)
Compesa (foto)
Uma notícia corriqueira dava conta da ação da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) que investigou ontem denúncias referentes a ligações clandestinas de águas em dois bares conhecidos da Zona Sul da cidade. A Compesa abriu um buraco para escavação em um estacionamento vizinho ao Caldinho do Nenen, no bairro do Pina, e os técnicos dizem ter encontrado uma tubulação para funcionamento de uma ligação clandestina. O Barraco, também localizado na Rua Nogueira de Souza, e o Caldinho do Nenen foram autuados por irregularidades após identificado o “furto de água”, expressão utilizada pela Compesa em nota. No texto, a empresa diz que o ato estava “prejudicando o abastecimento de água dos moradores da região, onde são localizadas comunidades carentes, como a Beira Rio e do Bode.”
Uma equipe do Instituto de Criminalística (IC) deu apoio técnico na operação, que teria comprovado o uso dos chamados “jacarés”. Os dois casos foram encaminhados à Delegacia de Boa Viagem. Eles foram os primeiros alvos de uma fiscalização coletiva que a Compesa pretende fazer em bares e restaurantes do Pina. A Compesa informa que os estabelecimentos apareciam no sistema como “cliente com água cortada”, porém estavam em pleno funcionamento. Representantes do Caldinho do Nenen têm outra versão. Declararam à Imprensa que desde a Via-Mangue há um impasse e que o restaurante usa carros-pipa para o abastecimento. Depois do laudo do IC, prometem se pronunciar sobre a operação.
O caso está na fase da denúncia e será agora investigado pela polícia, ocasião em que os acusados poderão defender-se apresentando detalhadamente suas justificativas. Não se pode condenar ninguém antecipadamente. Mas, independentemente dos desdobramentos, este episódio poderia ser eleito como o mais importante do noticiário local de ontem, dia que antecedeu este 7 de setembro – data cívica na qual se celebra a independência do Brasil e que serve de palco para manifestações de reivindicações e protestos dos mais diversos, incluindo aqueles que dizem respeito a atos de corrupção. Porque lida com a essência da política, do “polis” – sinônimo de lugar para o debate de ideias dos cidadãos que nela vivem, no conceito aristotélico.
Raciocínio semelhante pode ser empregado em relação a outro episódio, ocorrido em 9 de agosto, tratando de um suposto desvio de energia elétrica. O proprietário do Caldinho do Nenen, Jocelino da Silva, foi preso e irá defender-se em liberdade após fiança paga no valor de R$ 14.055 dia 10 de agosto em audiência de custódia. A acusação da Celpe contra o estabelecimento é de furto de energia, supostamente detectado após a descoberta de “um sofisticado dispositivo dentro do medidor de energia, conforme dito no momento. O dispositivo de registro teria sido manipulado com a finalidade de não registrar parte do consumo”. A Celpe instalou um equipamento para aferir a energia corretamente. Na ocasião, o Instituto de Criminalística esteve igualmente no local para avaliar a denúncia.
O Caldinho do Nenen e O Barraco são redutos conhecidos da Zona Sul do Recife. Recebem sobretudo um público classe média.
Aproveita-se a data para se deixar perguntas porque num dia como hoje a democracia do pensamento tem mais valia que afirmações sentenciosas. O que as denúncias da Celpe e da Compesa sobre o Caldinho do Nenen e da Compesa sobre O Barraco têm a ver com 7 de setembro? Que paralelo é possível fazer entre os discursos inflamados que levantam a classe média e causam tanta indignação na população quando se trata de políticos e a vida real que nos circunda? Somos todos estranhos no mundo que vivemos?