02.10

Antonio Palocci é o novo “Cabo” Anselmo?

Importa falar breve sobre o traidor maior a quem o ex-ministro de Lula e Dilma é comparado.

Urariano Mota (texto)
Justiça do Paraná (foto)

Mais de uma personalidade de esquerda já observou a semelhança das traições de Antonio Palocci e do “Cabo” Anselmo. (Cabo entre aspas porque Anselmo era marinheiro com duas fitas, mas a pressa o promoveu por engano). A traição em Palocci pelo que fez ao ex-presidente Lula e ao PT na delação em Curitiba, quando curvou de modo vergonhoso o caráter. A traição do “cabo” Anselmo pela morte que causou aos militantes socialistas. Entre eles, seis combatentes que entregou de uma só vez no Recife em 1973, quando atingiu o ponto culminante ao entregar a própria companheira, a brava Soledad Barrett.
Na traição mais recente, o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) assim criticou Antonio Palocci, depois da publicação da carta em que o ex-ministro se desfiliou do PT. “Palocci é o cabo Anselmo dos dias atuais”. E completou: “O cabo Anselmo foi uma espécie de delator durante a época da ditadura. De revolucionário, Anselmo passou a informante da ditadura. Por causa das informações fornecidas por ele, muitos militantes de esquerda, foram presos, torturados e mortos”.
Na carta do que seria o novo Anselmo Palocci, podemos anotar:
“De qualquer forma, quero adiantar que, sobre as informações prestadas (compra do prédio para o Instituto Lula, doações da Odebrecht ao PT, ao Instituto e a Lula, reunião com Dilma e Gabrielli sobre as sondas e a campanha de 2010, entre outros) são fatos absolutamente verdadeiros…”.
Ou seja, para uma delação ser digna de crédito basta o adjetivo “verdadeiro”. E vem a prova, isto é, a prova do mais desonroso e fingido espanto:
“Não posso deixar de destacar o choque de ter visto Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo. Com o pleno emprego conquistado, com a aprovação do governo a níveis recordes, com o advento da riqueza (e da maldição) do pré-sal, com a Copa do Mundo, com as Olimpíadas, “o cara”, nas palavras de Barack Obama dissociou-se definitivamente do menino retirante para navegar no terreno pantanoso do sucesso sem crítica, do ‘tudo pode’, do poder sem limites…
Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda a nossa história”.
Sobre isso, Gabrieli, ex-presidente da Petrobras, desmentiu o espanto pallociano:
“Há uma confusão de datas nas falsas alegações de Palocci, uma vez que a pretensa reunião mencionada pelo delator teria ocorrido em 2010, mas os contratos das sondas só efetivamente foram assinados em 2011”
Importa falar breve sobre o traidor maior a quem Palocci é comparado. No meu romance A mais longa duração da juventude, o personagem inspirado em Anselmo volta, depois de ter aparecido em Soledad no Recife. Agora escrevo em um trecho do novo livro:
“Anselmo tem escorregado à compreensão porque é da sua natureza ser escorregadio, ter o domínio da ambiguidade, de agradar para obter favores, de apunhalar no escuro e pôr a culpa em terceiros, de se mostrar como um indivíduo que fala jargões, que soam à semelhança de música aos ouvidos que ele conquista. Ele é multiforme, camaleão de muitas peles. Ardoroso socialista com socialistas, assim como artista, pintor com donos de galerias, fotógrafo com críticos de cinema. Alternativo, hippie com jovens largados que só querem um bom fumo e desprezam o mundo careta.
Tapeceiro e trapaceiro, por outro lado é cínico, despudorado, moleque entre policiais torturadores, de quem se tornou inseparável amigo. As suas múltiplas faces de sobrevivência são como bolas de sabão. Onde pegá-lo por entre tanta espuma? Se eu não cometesse uma agressão à digna atividade do teatro, diria que ele é um ator. Mas não, o artista possui a direção da sua arte, monta, ilude para melhor expressar a sua verdade. Já Daniel, Jonas, Lucas – em alguns codinomes dos seus papéis – ou Cabo Anselmo, não. Este ilude para melhor trair, ou sobreviver na mentira. O falso é a especialidade da sua ação”.
Em resumo: Palocci e Anselmo se igualam no egoísmo e sistemática mentira. Mas Palocci ainda não é Anselmo. Falta-lhe a oportunidade de viver hoje a ditadura Médici.