A amizade entre a socióloga Cláudia e a cuidadora Lindamara, de Curitiba, é a inspiração para a pergunta.
Silvia Bessa (texto)
Arquivo pessoal (foto)
No meu envelhecer, quero uma amiga que segure minha mão quando minha memória desbotar e eu caminhar em marcha lenta. Quero uma amiga que lembre minha falta de habilidade para cozinhar, que ria do meu gosto musical elitizado, conteste minha preferência no quesito homens, que lembre o quanto somos opostas quando admiramos uma vitrine no shopping. Que seja ela mesma e permita ser quem sou. Quando envelhecer, quero uma amiga – ao menos uma – que me dê um abraço na rua sem cerimônias, saiba como minhas filhas cresceram, aquilo que valeu a pena na minha vida e que diga o mesmo que Lindamara Machado ao se referir a Cláudia Oliveira: “O amor vai com a gente até morrer”.
Quando eu envelhecer, quero uma amiga que seja confidente suficiente para saber das minhas decepções. De como foi o fim de cada uma, amorosas ou não. Que faça um brinde exaltando bobagens, deguste mil churrascos, como as amigas de Curitiba. Que assista à uma comédia e que se divirta do mesmo jeito ao tirar uma selfie no celular quando o programa é paparicar crianças.
Que ouça a MPB de Chico Buarque, ainda que contrariada. E me faça escutar o sertanejo de Eduardo Costa, nem que seja para eu dizer que “odeio”, assim como Cláudia. Quero uma amiga que tenha uma história comigo. Construída tijolo por tijolo e da qual nos orgulhe.
A história de amizade da cuidadora Lindimara e da socióloga Cláudia é assim: Mara começou a trabalhar na casa de Cláudia como diarista há mais de vinte anos. Ajudou a cuidar dos filhos de Cláudia, que trabalhava muitas horas por dia. Mara entrava e saia. Até que a mãe de Cláudia adoeceu e Mara foi cuidadora da mãe da amiga. Quando a senhorinha faleceu, Mara precisou procurar outro emprego porque Cláudia não podia manter os serviços. “Ninguém é obrigada a trabalhar de graça, mas isso não é preponderante na nossa relação”, explica Cláudia. Mara emenda: “O que nós temos não tem a ver com salário. É um amor, cumplicidade inexplicável”. Desses que quero também.
Acabo de lembrar, quero alguém que corra para perto da minha família quando uma notícia ruim lhes atordoar. Mara recebeu uma ligação dessas falando sobre o aneurisma cerebral sofrido por Cláudia em 2016. “Mara me disse assim: Estarei sempre aí. Eu amo muito vocês e enfrentaremos o que for todos juntos”, contou-me Marina, filha de Cláudia. Mara largou o emprego onde estava e passou a trabalhar durante a semana como cuidadora de Cláudia. É a memória recente ambulante de Cláudia. Nos finais de semana, encontram-se no modo festivo. Falam do quebra-cabeça de mil peças que teimam em terminar.
Nas ruas, elas adoram dizer e mostrar o quão são amigas. Tanto que Marina chegou a pedir cuidado, já que tem acontecido agressões a mãe e filha e irmãos por supostos relacionamentos amorosos. Quando envelhecer, quero ter a convicção de Cláudia ao achar uma “violência” se barrar uma demonstração de amizade sinônimo de “companheirismo puro”. E o pensamento de Mara que diz: “quem tem de mudar são os outros. Entre nós não há sexo porque a gente não se completa nisso. Mas somos amigas e ela é capaz de brigar por mim e eu por ela”,.
Quando eu envelhecer, quero ter uma amiga com a qual eu me sinta à vontade para dizer que “estou sem grana”, que respeite meu mau humor eventual. Que seja meio irmã, que tenha um apelido especial para demonstrar carinho. No meu envelhecer, quero uma amiga que possa me dar memórias.