18.10

Esta é a incrível história de Rosa, que se tornou professora e dá lições de valorização para crianças

Silvia Bessa (texto)
Gabriel Melo (foto)

Rosa ainda lembra das palavras usadas por seu pai quando ela completara 18 anos e acabara de se formar no curso técnico pedagógico. “Você, por um acaso, precisa de vestes e calçados?”, perguntou-lhe, como se o sonho dela de ser professora soasse como uma afronta àquela cultura machista na qual ele a criava. Rosa não teve coragem de enfrentar seu Pedro Ribeiro. As moças da época eram criadas para casar e, então, aos 19 anos, Rosa casou-se. Teve três filhos e foi uma dona de casa, mãe das mais dedicadas e inspiradora, mas não esqueceu de si. “O desejo é como um vulcão. Está vivo, sempre querendo entrar em erupção”, diz ela, falando sobre a vontade que guardava desde menina.
Rosa recorda daquele domingo quando, aos 55 anos, ela resolveu prestar vestibular para pedagogia escondido do marido, que pensava igual ao seu pai. “Ele dizia aquelas coisas que homens com esta criação pensam. Que iria se separar caso eu trabalhasse fora, que ficaria com os filhos…Eu tinha medo e não o contrariei”. Humberto estava desempregado, ela tinha aberto um berçário (“cuidar de crianças era a única coisa que eu sabia fazer”) e temia a cobrança pela sua formação para manter o estabelecimento em funcionamento. Foi à luta: no dia do vestibular, levou as crianças para casa de parentes, sofreu por ter de mentir e arriscar o casamento dizendo que teria de cuidar naquele dia do pai doente e foi fazer a prova. “Até hoje me arrepio”.
Rosa tem na sua memória o dia em que pediu para seu filho pegar o jornal do vizinho na portaria do prédio onde mora para ver se teria sido aprovada. Achava possível, talvez, um remanejamento. O filho dizia que sim, foi aprovada; ela não acreditava. E como dizer ao marido a notícia? Tentou tramar alguma ideia na cozinha da vizinha, foi para a sua própria cozinha, até que a menina mais nova soltou: “Mainha passou no vestibular”. O marido Humberto não entendeu nada. Rosa confirmou o feito, abriu os braços e pediu os parabéns. O marido cortou o caminho. “Até hoje eu espero o abraço”. No jornal, estava escrito entre as aprovadas o nome por completo dela: Rosa Maria da Fonseca Oliveira da Silva.
“Foi a intensificação de uma vida. Senti o sangue correr na minha veia. Não esperava passar no vestibular 37 anos depois”. Perdeu o pai e a mãe em menos de dois meses e lembra que parecia uma “alma penada” na faculdade. Também passava por dificuldades financeiras e sentia vergonha por não ter como participar do lanche das colegas de turma. Até hoje não acredita que saiu da faculdade vitoriosa diante de tantas dificuldades. Completa em 2017 dez anos como professora graduada pela Funeso (Fundação de Ensino Superior de Olinda).
Rosa foi aprovada no seu primeiro concurso para ensinar a crianças na Prefeitura de Olinda (foi aprovada em três, na verdade). Na memória, o medo que sentia diante do recomeço de uma profissão estando na meia idade. Pensava ser velha diante de tanta juventude de outras professoras. Temia o estranhamento das crianças e dos pais.
Rosa lembra do momento em que pisou pela primeira vez na escola e recebeu um ramalhete de flores de sua filha Patrícia com um bilhete dizendo assim: “Mamãe, o calendário de Deus é diferente do nosso”. Rosa começou a ver nas crianças as rosas. “Naquele dia, fiz um juramento que toda criança que passasse por mim teria destino diferente do meu. Eu nunca soube dar não. Seguia a droga da obediência, então vou ensinar a elas darem sim para elas próprias”, disse-me esta professora que dá lições de autoestima para meninos de meninas de quatro e cinco anos da Escola Municipal Dom João Costa, no bairro dos Bultrins, em Olinda.
Rosa espalha fotos de mulheres negras pela sala, produz coletivamente dedoches com todos os tipos de pele e texturas de cabelo, escreveu um livro lindo de viver sobre a menina que questionava o título de princesa por não se achar semelhante às personagens que conhecia, propaga em projetos que é preciso exaltar o patrimônio histórico da cidade mas o patrimônio maior são as pessoas, envolve as mães no processo de reconhecimento das crianças e fala sobre a ambição de uma vida melhor. Nas férias, visita a escola para enfeitar a sala preocupando-se em fazer com que o novo aluno se sinta desejado e valorizado. “O que eu ensino é autoestima. O desafio do professor é exaltar a centelha de vida que há em cada aluno e acender essa centelha, sobretudo na escola pública, onde as necessidades dessas crianças são maiores”, afirma com altivez a professora Rosa.
Aos 65 anos, dez como profissional do ensino, Rosa Maria da Fonseca Oliveira da Silva está “Vivendo a plenitude do tempo”, como diz o título do livro da sua história, guardado em sua cabeceira e à espera de uma editora. Rosa, a professora de autoestima, é o tipo de mestra que todo aluno precisa.