Em que momento a mente de um jovem explode e ele decide abraçar o desatino, como se não houvesse outra alternativa?
Vandeck Santiago (texto)
Reprodução/TV Anhanguera/G1 (foto)
Uma imagem do noticiário de ontem chamava atenção — mostrava só as pernas do adolescente de 14 anos que atirou em colegas numa escola particular de Goiânia (GO), matando dois e ferindo quatro. A calça é vermelha com uma fina listra branca, da farda do colégio. Ele está sentado numa cadeira, cercado de adultos. Em outra situação, seria uma cena corriqueira, de um estudante fardado numa cadeira escolar — mas naquele momento ele está apreendido, após cometer a tragédia. Sem que o seu rosto apareça, sem que vejamos como ele é, a imagem é emblemática de uma vida inteira que poderia ter sido e que não será — nem a dele, nem a dos colegas mortos, nem a dos seus familiares.
A primeira indagação que surge é como um garoto de 14 anos tem acesso a uma arma — ele a pegou escondido da mãe que, assim como o pai, é policial militar. A segunda indagação é qual teria sido a motivação do crime: ao delegado, o atirador contou que o aluno que ele queria atingir, especificamente, era um dos dois que foram mortos, “que o amolava muito”. Estudantes da mesma sala disseram que ele era chamado de “fedorento”, que não usava desodorante, alvo frequente de chacotas Ou seja, bullying. Por uma infeliz coincidência, ou talvez por isso mesmo, ele praticou o crime no Dia Mundial de Combate ao Bullying, 20 de outubro. O adolescente disse ao delegado que se inspirou em tiroteios semelhantes cometidos por estudantes: o de Columbine, nos EUA (1999), e o de Realengo (RJ), em 2011.
Diante de tragédias como estas, a gente sempre se surpreende com o fato de que se tenha chegado ao desfecho trágico sem que ninguém tenha percebido que aquilo poderia ter acontecido. Em que momento a a mente de um jovem estudante explode e ele decide abraçar o desatino? Como é que, durante todo o período em que o ato amadurece em sua cabeça, ele não consegue pedir socorro? Ou pede e ninguém vê? Especialistas afirmam que o bullying pode levar à depressão, ao suicídio ou deixar sequelas que se mantêm pela vida inteira. O resultado é ainda pior se o alvo tiver distúrbios psicológicos.
No caso do Brasil, desde fevereiro de 2016 está em vigor uma lei que obriga escolas e clubes a combaterem o problema, determinando que professores e equipes pedagógicas recebam capacitação para adotar medidas preventivas; que seja dada orientação a pais e familiares, para identificação de agressores e vítimas, e que estes recebam assistência social, psicológica e jurídica. Segundo o texto da lei, o bullying ocorre “quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação”, por meio de ataques físicos, insultos pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, ameaças por quaisquer meios, grafites depreciativos, pilhérias, expressões preconceituosas e isolamento social consciente e premeditado, agressões que podem se manifestar também virtualmente (cyberbullying).
E, na prática, como agir em nosso dia a dia? Ontem, o noticiário trouxe recomendações básicas de vários especialistas para tratar o problema, como estas seis, em matéria do G1: Reconhecer a existência do bullying (“há escolas que ainda desconhecem o fenômeno”); conhecer e cumprir a lei federal de combate ao problema; transformar os valores dos alunos; engajar os professores; envolver os pais na vida escolar, e não subestimar o cyberbullying.
O bullying não é (nunca foi) “mimimi”. É um problema que, sorrateiro, pode estar perto de qualquer um de nós, atazanando nossos filhos ou colegas de nossos filhos. Não devemos esperar que aconteçam mais sofrimentos e mortes para levá-lo a sério.