Grandes processos judiciais fazem barulho, mas têm pouco resultado no combate à corrupção.
Vandeck Santiago (texto)
Rafael Martins/ DP (foto)
Imagine que após muito esforço você consegue ser aprovado como um dos concorrentes do Masterchef. Vem então uma prova de preparar uma sobremesa, a Panna Cotta. Você faz a sua e coloca numa prateleira, onde não tem ninguém vendo. Aí chega a hora de levá-la aos jurados e você percebe que a Panna Cotta que está numa prateleira acima da sua está bem mais bela e apetitosa — ninguém está olhando, se pegar aquela outra talvez ninguém perceba, é uma tentação que lhe invade e são apenas alguns segundos para decidir. Aí você cede à tentação, decide correr o risco e leva a sobremesa que outra pessoa fez. Só tem um problema: apesar de as prateleiras em que as sobremesas de cada concorrente foram postas estarem distantes do centro dos acontecimentos do programa, havia uma pequena câmera gravando tudo, e o seu gesto é revelado a todos. O concorrente foi desclassificado. Pediu desculpas a todos, em particular à verdadeira autora da Panna Cotta, e disse que havia se enganado. Não fora proposital a troca. Com a licença poética da hipótese que levantei, de o gesto ter sido motivado pela tentação (afinal, o autor da troca disse que o engano foi involuntário), o fato é real; aconteceu em um Masterchef não do Brasil, mas de outro país. Passou dia desses na TV.
Conto a história para chegar ao ponto que interessa discutir aqui. Se a leitora ou o leitor falar com 10 pessoas sobre corrupção o provável é que as 10 digam que é preciso leis mais rigorosas, investigação e repressão. Pois bem, ontem uma autoridade internacional no assunto, Gherardo Colombo, um dos juízes que comandou a célebre Operação Mãos Limpas (1992), na Itália, disse que a corrupção continua alta na Itália. Processos judiciais dessa natureza fazem um enorme barulho, mas trazem pouco resultado. O grande território para enfrentar a corrupção, diz ele, são as escolas. “A escola é determinante. Acredito que seria muito útil intervir profundamente na escola para evitar que a corrupção se difunda. Educar as pessoas a ter relacionamentos corretos”, afirmou ele, ao participar de evento em São Paulo. “Porque a corrupção se trata, em realidade, de um problema cultural, e os problemas culturais se enfrentam com educação e não com a repressão. Se as pessoas não se convencem de que respeitar as regras é algo que convém a todos, por que vai fazê-lo?”, questiona. Ele era juiz da Corte Suprema da Itália e pediu demissão para dedicar-se a dar aulas sobre o assunto: “Eu me demiti porque, para mim, em um país em que a corrupção é difusa, é impossível afrontá-la com o instrumento do processo penal”.
Quando se trata de propina de uma grande empreiteira ou estatal, parece claro que mecanismos de transparência e vigilância podem ser eficazes. Porém, e nos casos daquela garota que encontrou um I-phone novinho na praia, levou para casa, o dono descobriu o endereço pelo localizador, bateu à porta e a mãe da moça que encontrara o aparelho lhe disse: “Achado não é roubado. Ela encontrou, não roubou. Não vai devolver”? (outro fato real; já o relatei aqui.). E no caso da pessoa que estaciona em vaga de idoso ou deficiente sem ser uma coisa nem outra?; e daquele que entra no supermercado, coloca dois produtos no carrinho, deixa-o na fila e sai para completar as compras?; e do outro que pede ao amigo ou amiga para comprar um produto no exterior e diante do argumento de que o valor vai ultrapassar o permitido pela alfândega recomenda que o amigo ou amiga tire o produto da caixa e diga que é seu?…
Muitos no Brasil fazem até chacota quando se trata de comparar a grande e a pequena corrupção. A questão é que são itens entrelaçados. E quando se começa a combater a “grande”, é inevitável que se chegue também à “pequena”. Eis o que diz Gherardo Colombo: “A um certo ponto, nós começávamos e as provas nos levavam para as pessoas que estavam no alto. Os cidadãos comuns protestavam contra eles e, depois, pouco a pouco, conforme as investigações prosseguiram, as provas nos levaram em direção à corrupção das pessoas comuns, o fiscal da prefeitura que fez compras de graça e em troca não fiscaliza a balança dos frios na padaria, e o inspetor do trabalho que por alguns trocados não verifica se no canteiro de obra há cintos de segurança e capacetes para os trabalhadores e os enfermeiros por outros trocados avisa à funerária quando morre alguém no hospital para que ela chegue primeiro ao lugar para fazer o funeral…”
Levar o assunto para as escolas é o caminho, ensina Gherardo Colombo. Outras alternativas também são possíveis, porém aí o desfecho pode não ser o desejado, como lembra o ex-juiz em entrevista ao jornal Clarín (Argentina), referindo-se à Operação Mãos Limpas. “Nada foi aprendido com um processo judicial anticorrupção tão importante?”, perguntou o repórter, e ele: “Claro que sim. As pessoas aprenderam a corromper e a deixar-se corromper de uma forma mais sofisticada”.
Infelizmente no Brasil falta muita educação, o estado reclama ela para si, mas se os menores fizerem algo errado coloca a culpa nos pais, deveriam deixar as famílias educarem seus filhos, reduzir os impostos, permitindo assim que as famílias possam colocar seus filhos em escolas particulares.