Qual a relação entre a depressão e as centenas de histórias de desaparecimentos de adultos registrados em delegacias?
Silvia Bessa (texto)
Bernardo Dantas (foto)
Afamília, aflita, deu início à busca durante a madrugada desta sexta-feira. Começou entre os amigos, depois tentou refazer o caminho dos locais visitados com mais frequência, apelou a hospitais e até ao Instituto de Medicina Legal. O desespero era grande e a procura se estendeu pela Internet com o apelo de quem ama a 123ª pessoa com idade adulta desaparecida na cidade do Recife somente este ano: uma mulher de 50 anos, ativa profissionalmente e que enfrenta momento delicado de saúde emocional. A ocorrência foi registrada na Delegacia de Desaparecidos e de Proteção à Pessoa. “É uma agonia sem fim”, disse-me a mãe, enquanto a inquietude e a tristeza lhes tomavam o peito.
Nesta mesma tarde, filhos de um outro desaparecido respiravam aliviados. Depois de quatro dias sumido, ele foi localizado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital público Getúlio Vargas. Dos 123 adultos desaparecidos, segundo estatísticas da Capital, foi o 74º encontrado, o que significa que outras 49 famílias permanecem na angústia à espera do reencontro com alguém que saiu para comprar um remédio ou fazer um pequeno passeio e nunca mais voltou. Poucas horas depois do cidadão do sexo masculino ser dado como encontrado, veio a notícia de que a mulher desaparecida havia sido achada em um supermercado no bairro de Boa Viagem. Está bem, para a alegria de muitos.
O relato dos amigos e parentes é de que se trata de uma cidadã das mais prestativas que se tem notícias. “Ela mora em Boa Viagem, limpa feridas de enfermos na comunidade do Bode, compra alimentos no mercadinho da esquina para dar comida a quem tem fome, cuida de idosos e crianças necessitadas”, relatou a prima com orgulho, referindo-se à comunidade pobre que fica no bairro do Pina, e definindo a parente assim: “Falo de uma das mulheres mais evoluídas espiritualmente que já conheci porque se doa muito ao próximo”. Nunca antes havia dormido fora de casa ou sumido sem avisar a alguém próximo. Saiu sem documentos ou cartão de crédito como quem vai na esquina. “Posso acrescentar que não é preciso esperar 24 horas do desaparecimento para fazer um boletim de ocorrência. Deve-se levar em conta uma mudança de rotina, um celular desligado, a falta de contato com amigos, por exemplo”, ressaltou o delegado Hélder Bezerra.
É comum na Delegacia de Desaparecidos e Proteção à Pessoa a notificação de casos ligados a cidadãos que sofrem de transtornos mais graves ou temporários, disse Hélder Bezerra, falando com base em um perfil traçado a partir dos que buscam a delegacia da qual é titular. A família da mulher desaparecida também falava em depressão, reforçando a relação entre desaparecimento e transtornos emocionais. Quando conversei com a mãe da desaparecida, a preocupação era dupla: encontrar a filha e não falar sobre o quadro dela publicamente para preservá-la. Compreensível: a depressão é estigmatizada e virou um tabu, inclusive entre famílias.
Na verdade, é “um segredo de família que toda família tem”, como bem define o escritor Andrew Solomon, autor do título Demônio do Meio-Dia – Uma Anatomia da Depressão (Companhia das Letras). Ele, uma vítima da depressão que defende que se rasgue o secretismo e se fale mais sobre o que se sente. Este é um mal crescente que atinge gente como todos nós e que precisa ser cuidado de forma profissional para não se chegar a um ponto como o de tantos, que desaparecem ou morrem por dentro por estarem doentes e não suportarem mais conviver consigo e com as suas rotinas.