Quando um atendente é observado por anos e se nota que ele faz diferença na rotina da cidade.
Silvia Bessa (texto e foto)
Usuário do metrô que recebe atenção de João Filipe tem sorte. Antes de responder qualquer pergunta, ele adentra na conversa com um bom dia. A voz compassada, as explicações precisas e o olho a olho são alguns dos sinais de presteza. O hábito de colocar a mão no ombro muitas vezes acompanha as palavras, sobretudo se o interlocutor em questão é um idoso. “Os idosos são ótimos. Parece que, quando mais jovem é a pessoa, mais apressada está. Já o idoso fala com educação, aceita melhor as normas que preciso passar e gostam de conversar”, acredita. À beira das catracas surgem muito passantes estilo conversador. Aposentados são maioria. João não se importa com a abordagem frequente deles e até parece incentivar. Oferece um atendimento de primeira.
“Boa tarde, senhora. Posso lhe ajudar? venha cá que é simples…”, explicava ontem, enquanto também pedia a carteira de identidade de uma usuária de cabelos grisalhos. A outra, que pensava não haver fiscal por perto, abordou assim: “Tudo bem com a senhora? Pode vir por aqui…”, disse, apontando para a catraca, para então seguir. Ver João Filipe Barbosa Santiago, servidor público de 31 anos, 11 deles como assistente de operação de estação da CBTU/Metrorec, dá gosto. Ele é a gentileza em pessoa e é reconhecido por ela.
Nos seus seis anos lotado só na Estação Central do Recife fez amigos. Conheço desde essa época. Tempos desses, em quinze minutos de observação, sete pessoas o cumprimentaram e deram boas-vindas pelo retorno dele após férias. Chamando-o pelo nome, o que faz toda a diferença porque indica que o trato dele foi bom o suficiente para que João Filipe se tornasse respeitado por usuárias como dona Martinha e dona Ivete. E ele não cumpre um papel fácil. É orientador e espécie de fiscal da legalidade e dos bons costumes. Aproxima-se de dois passageiros que querem passar de uma vez só pela roleta para pagar uma passagem, de mulheres que querem a gratuidade de crianças maiores, com idade já próxima de dez anos, de estudantes que pulam para não pagar pelo ticket.
Dos usuários, Filipe já ganhou de tudo como retribuição. Bolo, perfume, bombons, frutas – item este que, aliás, na Estação de Afogados é ainda mais comum em virtude da proximidade da feira. “Sim, em época de festas de final de ano as pessoas gostam de abraçar”, conta ele, há cerca de um ano lotado na Estação Ipiranga, Bairro de Afogados. “Na verdade, precisava de uma estação menor e estou gostando. Porque, ao mesmo tempo que tem muito usuário gentil, tem outros que nos desgastam e nos tratam muito mal”, conta João, sabendo que na Ipiranga o problema é a criminalidade do entorno.
Depois de pelo menos quatro anos desde a primeira vez que o vi, minha curiosidade era saber de João Filipe qual é o manual da gentileza. “Acho que aprendi a partir da educação que tive em casa e dos exemplos que tive de minha mãe, meu pai e meus avós. Eles eram muito presentes, ensinavam o básico como bom dia e boa tarde, o obrigada e cobravam que a gente falasse com licença, por exemplo, e cobravam obediência e eram rígidos com boas notas e bom comportamento”, conta o rapaz, referindo-se ao pai, o agente penitenciário José Antônio, e à mãe, a técnica de segurança Maire Ruth.
“O pai dele era igual. Trabalhou aqui no metrô na mesma função que eu, a de bilheteiro naquela época, uma função que acabou sendo extinta porque foi terceirizada. O jeito dele com os usuários era atípico e lembro que gostava de se dirigir às crianças”, recorda Eduardo Gomes, atual chefe da estação Ipiranga. Segundo a mãe de Filipe, em Olinda, onde a família reside, o filho é conhecido pelos hábitos gentis junto a amigos e estranhos. “Penso que as crianças gostam de imitar os pais. Acho que ele aprendeu vendo a forma como nossa família trata os outros”, endossa para citar um exemplo fantástico de gentileza dado pelo avô Pedro Barbosa e avó, Vanilda. “Íamos passar férias na Bahia e víamos eles colocando mendigos para comer na mesa deles. Com o tempo, cada mendigo tinha seus pertences, como copos e pratos, com nomes guardados na casa dos meus pais”, menciona Maire.
João Filipe agora está preocupado em repassar a lição da amabilidade com os outros, aquilo que aprendeu em família, para a filha Sophia Caroline, que completa hoje um ano de vida. Enquanto ela não entende, os usuários do Metrorec desfrutam deste funcionário público uma qualidade cada dia mais necessária para quem trabalha com o grande público: a gentileza.