Enquanto argentinos deixam a desejar em cordialidade, uruguaios capricham direitinho na acolhida.
Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (imagem)
Não sou do tipo que faz julgamentos e comparações logo após a primeira visita a algum país, pois há circunstâncias e circunstâncias. Mas o que não deveria mudar, a menos que para melhor, seria o padrão da acolhida, sobretudo quando os voos com escalas podem transformar viagens dentro da América do Sul em suplício (conexões demoradas, desconfortáveis e com deslocamento de bagagem de uma para outra, o que cansa muito). No entanto, os argentinos não andam preocupados com isso, pelo que vi nesta sexta estada em Buenos Aires, cidade que sempre incluí entre as dez mais agradáveis de minha lista. Caras sisudas e uma prestação de serviço apenas medíocre me surpreenderam enormemente, porque nos tempos em que o real andava “cantando de galo” no continente a cordialidade era muito mais visível, parecia que nos chamavam de hermanos ao menos com alguma sinceridade. E não conhecendo turista que não goste de gentileza, logo intuí que os portenhos devem estar passando por maus bocados com a política do governo Mauricio Macri. A propósito, intuí, também, que o aspecto pouco atraente – ruas um tanto quanto sujas, mendicância aumentada, protestos diários na frente da Casa Rosada e a Calle Florida com fraco movimento – ajudam a entender melhor o astral reinante.
Nada desestimula mais do que enfrentar fila de ao menos um par de horas, já no aeroporto, para fazer câmbio. Depois, uma vez no devido endereço, nada passa a ser mais irritante do que a apreensão ante a possibilidade de receber dinheiro falsificado, prática bem recorrente por lá. Mesmo no quesito lazer já não se pode sonhar com preços que acompanhem a qualidade da comida ou das atrações. Com o passar dos anos, as duas foram afetadas na proporção do humor dos taxistas, que perderam a noção de direção defensiva, ficam dando voltas e ainda arranjam um jeito de incluir no preço acréscimo justificado por desculpas esfarrapadas.
A sorte é que no cais aguardava o barco Francisco, da conhecida empresa Buquebus, em operação, com razoável frequência, entre Buenos Aires e Montevidéu. Moderno, confortável, com um free shopping maior do que o de muitos de aeroportos, ao navegar pelo Rio da Prata por quase três horas o Francisco ajuda a esquecer qualquer mau bocado vivido em Buenos Aires. O resto do esquecimento fica por conta da acolhida carinhosa dos uruguaios e dos dias agradáveis na capital e arredores. É notório que brasileiros são bem-vindos e que argentinos nem tanto. Assim como chilenos não perdem a piada com os hermanos, os uruguaios também não – os primeiros, por questões históricas ligadas à divisão da Patagônia e os segundos, por achá-los de nariz arrebitado além da conta.
Boas compras, bons passeios (a visita à Casa Pueblo, em Punta Ballena, cerca de 30 quilômetros, merece ser repetida), andadas pela Cidade Velha, pelos mercados de gastronomia e feiras de rua, além da constatação de preços bem mais atraentes em vários segmentos da cadeia turística pesam muito na decisão de voltar a Montevidéu. A sensação é de que o visitante está em um país de economia estável, seguro, organizado e feliz com a chegada de quem cruza o Rio da Prata para deixar dinheiro lá. O Recife já tem voo direto – embora com apenas uma frequência semanal – para as duas capitais. Mas a melhor relação custo x benefício está do lado do rio que recebe o turista de forma educada, sem medo de se mostrar gentil. Sem dúvida.