22.11

Data mais esperada do ano por consumidores esconde armadilhas que só são evitadas com informação.

Luce Pereira (texto)
Greg/dp (arte)

Nos conhecemos por acaso, quando eu estava em uma casa de material de construção e solicitei ao vendedor que me indicasse algum pedreiro para fazer reparo com tal acabamento em minha varanda. “A senhora está com sorte, pois um dos melhores que conheço acaba de chegar ao departamento de tintas”. Voltou na companhia de um sujeito magro e franzino, sem três dentes laterais superiores, que sempre apareciam porque ele era a simpatia em pessoa. Ria com a maior facilidade. Foi afinidade à primeira vista e uma grata surpresa, pois além de bom profissional se mostrava gente da maior confiança. E de pequenos trabalhos em pequenos trabalhos, criou-se certa intimidade que segue saudável. Ontem, Damião apareceu mais animado do que de costume para concluir serviço com duração de nove dias, para o qual trouxe como auxiliar um senhor alto, calado e eficiente, que fuma muito, tosse e diz que toma duas garrafas de café por dia. A agitação tinha nome: Black Friday – palavra que na voz de Damião vira um arremedo da pronúncia em inglês. “Sexta-feira vou com a patroa para a ‘breque-fraide”, viu?, lá em casa tá precisando de umas ´coisinha’ e a gente tem que aproveitar o dinheiro guardado”.
Primeiro que Black Friday não é um lugar (como Damião parece crer) e depois, muitas vezes, tem mais de cilada do que de paraíso, porque se anuncia nos meios de comunicação quase como o dia anual da benevolência, por parte de quem comercializa produtos e serviços, quando na verdade é apenas uma poderosa estratégia de vendas parecida com lobo em pele de cordeiro. Um vizinho que tem fama de ser a desconfiança em pessoa, disse-me há pouco, num encontro casual na padaria, que “é até um pecado explicar a pessoas de pequeno poder aquisitivo os artifícios por trás de muitas das ‘ofertas’, porque elas vão às compras como se fossem a um parque de diversões, não importando se chegam em casa apenas com um liquidificador ou um micro-ondas”. Pois, embora parecendo estraga-prazeres, preferi ter uma breve conversa com o meu amigo (já posso chamá-lo assim, pela confiança mútua), para avaliar o nível de informação dele como consumidor.
Damião e a esposa não fazem parte do time que pesquisa preços antes de se aventurar pelas lojas, na “sexta-feira mágica”, e não fazem compras pela internet porque não têm desenvoltura com o mundo virtual. “Comprar de quem eu não vejo? Mas é nunca!”, gosta de repetir, se achando o máximo da esperteza. Mas tem a vantagem de não colecionar carnês e só usa o cartão de crédito (sem anuidade) quando há muita precisão e dinheiro para pagar a fatura à vista. Assim, não chega a ser exatamente um sério candidato a protagonizar grandes desastres financeiros, mas, também, não possui armas nem faro para fugir das espertezas de um dia assim. Nem mesmo sabe, vendo o preço e as taxas de juros nos cartazes, estimar se a oferta é verdadeira ou conto do vigário.
Embora o perigo more muito mais nas compras pela internet, a exigir dos consumidores uma série de cuidados e garantias, a famosa sexta-feira não perde de vista gente como Damião, que nem de longe lembra o mundo onde o evento nasceu – palco mais reluzente do capitalismo no planeta. Logo, a Black Friday não é para amadores, há que ter cautela, informação e bom senso, coisas das quais a simplicidade do meu amigo está muito distante. De repente, aquilo me sensibilizou e eu decidi quase sem pensar, com uma meia-verdade: “Vamos todos ao shopping, amanhã, eu tenho mesmo que comprar uma batedeira”. Damião quase nem acredita, a patroa iria adorar. Marcamos para as 11h, em um café dos mais conhecidos.