Por trás da tragédia do acidente provocado por um motorista bêbado, o drama de quem fica.
Silvia Bessa (texto)
Reprodução internet (foto)
Valentina anda dizendo aos vizinhos e parentes que a mãe, Roseane Brito, de 23 anos, foi para o céu. Na sua pouca idade, apenas 3 anos, não sabe ela que a imaginária viagem da mãe, desta vez, não tem volta. Valentina era sustentada em parte com o dinheiro que Roseane juntava ao trabalhar como babá nos finais de semana para o advogado Miguel Filho e para a servidora do Poder Judiciário Maria Emília. Ela cuidava de duas crianças. Agora, a filha de Roseane, Valentina, será mantida por uma força-tarefa familiar, com o dinheiro reduzido da aposentadoria da bisavó, dona Maria Josefa da Conceição, conhecida como Telma. Ela recebe mensalmente menos de um salário mínimo porque todos os meses tem uma parcela de empréstimo descontada. O dinheiro escasso alimentará quatro pessoas.
O pai de Valentina não colabora com a pensão há exatos oito meses e cabia a Roseane sozinha correr em busca do sustento da garotinha. Valentina é agora órfã de mãe. A menina recebeu a notícia por meio da bisavó, participou do velório domiciliar, viu o corpo no caixão e esteve no enterro. Roseane Brito estava grávida e morreu no trágico acidente ocorrido no bairro da Tamarineira, no Recife, provocado pelo estudante João Victor, que, embriagado e em alta velocidade, desrespeitou o sinal vermelho e matou três pessoas – além de Roseane, a patroa Maria Emília e o menino Miguel Neto. “Não estou pensando no sustento dela (falava de Valentina) porque estou sofrendo muito com o luto. Penso que a gente dará um jeito”, desconversa, até meio constrangida ao responder perguntas sobre o tema, dona Severina Josefa da Conceição, conhecida como Rosa e que é mãe de Roseane.
A mãe de Roseane pode não se sentir à vontade para falar porque, neste momento, a dor é maior que a necessidade. Compreende-se. Mas o futuro de Valentina, prestes a entrar na escola, não é problema para muito adiante. Ela será criada pela avó e bisavó. A perda da mãe é apenas o início de um ciclo de mudanças. De um dia para o outro, os pertences de Valentina começaram a ser levados para a sua nova moradia porque a casa de Roseane, situada nas proximidades do posto de gasolina no município de Aliança (Zona da Mata de Pernambuco), já foi fechada. Os móveis serão retirados em breve. “Acho que a minha neta está um pouco conformadinha por não entender. Não chora e me dá muitos beijos”, conta, chorosa.
Roseane havia se mudado para a casa próxima do posto para morar com o companheiro Cleiton, há menos de um ano. Foi “nascida e criada”, para usar um termo dos amigos, na casa da bisavó, Maria Josefa. A rotina das mulheres e crianças era sentarem diariamente à tarde no pé da calçada para conversarem e este tem sido um horário especial para lembranças. “Ela inventava de fazer macarronadas, noite do cachorro-quente e mexia com todo mundo. Era muito animada”, relata a amiga Valquíria Andrade. “Muito tranquila. Tudo, para Roseane, estava bom e ela fazia amizade muito fácil”.
O emprego na residência da família de Miguel foi o primeiro da jovem mãe Roseane, que teve sua vida tragicamente interrompida pela irresponsabilidade do motorista João Victor. Ele, segundo investigação policial, tomou cinco litros de cerveja e um litro de uísque antes de pegar no volante a 108 km por hora e destruir duas famílias. Ele está preso e será indiciado por triplo homicídio.
Roseane se formou no ensino médio na escola Joaquina Lira, no centro de Aliança. Gostava de passear e dançar pagode com a irmã, Eduarda, e a amiga Maria Cristany. Como muitos jovens, adorava festas e curtia um bom brega romântico nas redondezas da praça principal de Aliança. Fazia encontros animados no quintal da bisavó. Em novembro, lembra a mãe, improvisou uma festinha de aniversário surpresa. Chamou a vizinha Lucélia, a prima Adriana, a irmã Eduarda, comprou coxinhas e bolo. Convidou para um almoço, usando o pretexto de que teria comprado uma capa de celular para ela. “Vem, mainha”, apressou, ansiosa para ver a alegria da aniversariante. “Peraí, mô fio…”, respondia a mãe sem desconfiar do carinho de Roseane. Cuidadosa, a jovem mandou que a mãe entrasse pelo portão de trás e entoou os parabéns que ficarão na lembrança de dona Severina.
Roseane deixou a filha Valentina, a mãe, a bisavó, a irmã Eduarda, um irmão pequeno e muitos amigos. Na cabeça de dona Severina, não sai da cabeça a cena que resumia a cumplicidade que tinha com a jovem filha: aquela em que Roseane pedia a bênção, dava-lhe um abraço e ganhava em troca um beijinho na testa. “É o que quero que fique”. Roseane Maria de Brito é a babá morta pela imprudência de um motorista bêbado junto com a patroa e o menino Miguel, de quem cuidava. A família de Roseane nunca mais será a mesma, ainda que o nome dela seja esquecido com o tempo.