09.12

Escritora, que faleceu há 40 anos, está entre os 12 autores brasileiros mais lidos no exterior, a única mulher na lista.

Luce Pereira (texto)
Cidadeverde.com/Reprodução da internet (foto)

Constato, com certa amargura, que 40 anos não foram suficientes para apagar da cabeça de milhões de leitores a morte de Clarice Lispector e talvez mais meio século se passe sob o mesmo clima de emoção/devoção, porque não se esquece com facilidade quem, bebendo em misteriosa fonte de sabedoria, conseguiu chegar tão perto do coração de tanta gente, por mais “selvagem” que ele seja. A amargura – que aqui é ambígua, porque misturada a uma satisfação genuína – vem do fato de ela ter ido tão cedo, aos 57 anos, quando poderia, depois de mais alguns giros no calendário, aumentar o fulgurante legado, embora o que nos coube já esteja de bom tamanho. Sem dúvida. Porém, ao reler todos os livros, entrevistas, biografias, teses saídas de universidades, ver filmes e peças de teatro que abordam a vida ou a obra, assistir a debates e conferências, a sensação é sempre de que não basta, de que ainda falta muito para encontrar o “fio da meada”. Só que o sentir de Clarice propõe um caminho para o qual o leitor é convidado, mas a certa altura obrigado a seguir sozinho, como se devesse descobrir suas próprias verdades a partir das dela. Pode-se, então, dizer que não findava nunca, como se tivesse certeza de que navegava em um barco com destino apenas a si mesma. Mas era a “viagem” o grande encantamento.
Sinceramente, não sei se Clarice tinha a mais vaga ideia do alcance da literatura que produzia, do quanto a obra sempre revelou-se transformadora, e creio mesmo que interessasse a ela apenas tentar se traduzir, para ver se, exposta em todos aqueles escritos, muitas vezes inspirados em pequenas coisas do cotidiano, pudesse enfim se conhecer melhor, com a diversidade e complexidade dos tipos que a habitavam. Não se considerava triste nem solitária, por ter muitos amigos, mas era assim que via os adultos, bastando que enfrentassem algum choque “um pouco inesperado”. Na célebre entrevista que concedeu à TV Cultura, sempre de rosto tenso, disse que estava triste porque cansada, mas que era geralmente alegre. Porém, com a face negando as palavras, via-se ali, outra vez, a Clarice que se interessava mais por se compreender do que por ser compreendida, caminho que nunca deixava de levar a belas descobertas. Sorte do leitor, que recebia pistas valiosas para lidar com as próprias emoções.
Lembro como se fosse hoje, no dia 9 de dezembro de 1977, a voz grave e carregada de emoção do âncora do jornal da noite anunciando a morte. Era uma sexta-feira e então arruinada pela manchete que leitores assíduos tentariam esquecer entre um gole e outro de cerveja, lamentando, na companhia de amigos, a falta tão grande que ela iria fazer. Hoje, está entre os doze escritores brasileiros mais lidos no exterior, sendo a única mulher da lista, e só perde para Machado de Assis. A boa notícia é que quem quer matar um pouco a saudade pode incluir na cesta de Natal o presente que a Editora Rocco criou para marcar os 40 anos da morte – reedição luxuosa de A hora da estrela (1977), com capa dura, projeto gráfico sofisticado e textos de críticos famosos. Parece um reencontro com ela à altura dela.