Jovem pentaplégica é exemplo de como a vida em família melhora a qualidade de vida do paciente.
Silvia Bessa (texto)
Arquivo pessoal (foto)
A irmã Talita passou anos para convencer Ana Paula a aceitar o convite para tomar um banho de mar. Durona para lágrimas, como dizem, Ana Paula pensava em como seria sentir a emoção que, por certo, iria lhe tomar. “Não, não vou”. Às vésperas do feriado do dia 8, sexta-feira passada, a jovem Ana Paula Martins, 24 anos, ganhou coragem. Pentaplégica, dependente de um respirador artificial em tempo integral, acordou cedo, vestiu o biquíni que a mãe, dona Maria de Fátima, comprou com tanto gosto e às 10h estava sob o sol tinindo e céu azul royal de Maria Farinha, curtindo a cidade onde mora, Paulista. “Foi incrível”, contou. À Talita, descreveu o pensamento mais íntimo: “Tive a sensação de que iria levantar e correr. Foi bom demais”.
Ana Paula é uma referência em Pernambuco. Até os 12 anos frequentava uma escola e tinha dias comuns. Vivia com a família na cidade de Rio Formoso, área praieira da Mata Sul do estado, quando sua rotina se transformou após contrair um vírus que desencadeou a encefalomielite viral, doença que a deixou sem os movimentos das mãos, pernas e pescoço. Passou seis anos na UTI pediátrica do Hospital da Restauração, era considerada parte daquele cenário caótico. Brigou, conquistou admiradores, incluindo médicos que viam a sede dela pela leitura e interesse pela internet. A família insistia em levá-la para casa até que Ana Paula ganhou o direito de ser assistida por um serviço de cuidados domiciliares (chamado de home care) pago pelo Sistema Único de Saúde. Ana Paula Martins tornou-se, então, inspiração, esperança para outros que desejam o mesmo e exemplo vivo da qualidade de vida que se ganha quando se conquista um direito deste, raro até em casos de planos de saúde privado, e quando se tem o amor familiar.
Sexta-feira mesmo, na praia, estavam todos. A mãe, dona Maria de Fátima, o pai, seu Manoel, a irmã Talita, o irmão Júnior, o cunhado Jefferson, as sobrinhas Rafaela e Júlia. Exceto as crianças, o grupo fazia parte da escala familiar de acompanhamento de Ana Paula na Restauração naquele tempo difícil de uma internação quase sem fim. No dia da praia, a irmã Raquel teve a incubência de levar a cadeira de rodas em outro carro. A técnica de enfermagem do dia, grávida, não poderia participar da farra. Então a técnica Elaine, da escala seguinte, antecipou o plantão para se engajar. Elaine tinha de estar pronta para caso precisasse aspirar o tubo respiratório de Ana Paula. Foi necessário, como de costume.
“Deu tudo certo. Todo mundo se revezou para segurar o respirador e o pessoal do quiosque foi um amor. Cedeu energia”, contou-me Ana Paula, em entrevista via Facebook, a rede social preferida dela, manuseada com adaptadores desde a época da UTI. “Sempre fui muito bronzeada, morava rodeada de praias e lembro que, quando pequena, ia a praias com meus primos e irmãos. Meu pai e meu irmão me levaram até a água desta vez. Naquele momento, vieram todas as lembranças da minha infância, uma sensação muito boa”, disse ela, que teve o corpo e a cabeça cobertos pela água salgada.
Ana Paula ficou na praia das 10h às 16h. O passeio para pisar na areia de Maria Farinha e tomar aquele banho de mar foi uma apoteose para a permanência de Ana Paula em sua residência, em Maranguape. Desde que saiu do Hospital da Restauração, em março de 2013, Ana Paula não teve nenhuma intercorrência que a levasse de volta à uma unidade de saúde e a família só comemora a melhoria da qualidade de vida da jovem.”Depois de tudo que vivemos juntos, ver Ana Paula lá no mar e com todos foi como um Natal antecipado”.