15.12

Energia do mês do aniversário de Cristo deveria ser muito positiva, mas excessos arruínam tudo.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Dezembro é um mês complexo, cheio de altos e baixos, de sentimentos e verdades muito contraditórios. E os exemplos enchem os dias, podendo ser notados com uma facilidade estarrecedora, porque tudo se torna superlativo, inclusive a falta de paciência. É um contrassenso, afinal, pois ao menos na teoria prega-se o tal tempo de amor, de tolerância, de fraternidade. Mas paciência como, com ruas lotadas de carros, buzinas, pressa, trânsito lento demais, tarefas que num passe de mágica se multiplicam? Intenso mas breve bate-boca, ontem à tarde, na Rua da Soledade (Boa Vista), entre dois motoristas. Um parou ao lado do outro para tirar satisfação sobre uma atitude julgada como desaforo e os berros passaram a sair de uma janela a outra dos veículos como se fossem torpedos, cada qual dos afobados se achando dono da razão. Enquanto isso, dava pena a dificuldade dos demais, igualmente inquietos, para fugir da arenga e avançar mais alguns metros. Pessoalmente, para percorrer da Avenida Caxangá ao Bairro do Recife, devo ter evocado todas as divindades de que me recordo sem maiores apelos à memória, além, naturalmente, de praguejar à vontade – de mim para mim, por sorte. Fiz um ziguezague sem tamanho para fugir da Avenida Agamenon Magalhães, mas já não há rotas que não estejam saturadas. Era começo da noite, quando cheguei ao local desejado.
Em dezembro, inclusive, fica muito difícil descobrir a tal crise – palavra mais enjoada entre todas as que nos açoitam durante o ano inteiro. O número de carros novos nas ruas já demonstra isso, mas outras evidências se atravessam no caminho como se rissem debochadamente de nossa credulidade na existência dela. Fui ao menos tentar reconhecê-la por aí, porém, na primeira grande delicatessen que entrei decidida a encomendar salgados para o Natal, a moça riu e depois perguntou se era para a festa de 2018. Não estavam mais aceitando encomendas nem para o dia 20. Mesma situação na segunda e na terceira. Ela, a tal crise, também não consegue ser vista em restaurantes lotados por confraternizações, muito menos em shoppings e empresas aéreas, que não se queixam da procura para destinos como Gramado, onde o Natal Luz se firma ano a ano como uma das maiores atrações da época no país. Nem para ver o de Garanhuns e se demorar o fim de semana na cidade está fácil – pousadas e outros tipos de hospedarias já sem mais possibilidade de reserva. Disseram-me que certo mesmo seria encontrar a indesejável em bairros pobres – onde nem tenta usar disfarce, porque se sente-se em casa – mas aí seria óbvio demais.
É certo, também, que os fossos abertos pela gradação do poder de consumo, sobretudo nesta época, falam alto sobre as dissonâncias de dezembro. Gente que mergulha com gosto na doce tarefa de gastar aos tubos, também vai à missa com a família agradecer pela fartura, quando está a apenas um passo da indigência espiritual – aquela que deve ter dado origem à expressão “comendo eu e o meu cavalo, o resto que se dane”. E é tão contraditório que cria exércitos de viciados em prometer o que não tem a menor chance se ser levado a sério, depois do próximo pulo do calendário. Dos meses, considero o mais “folclórico”, pois reina uma ideia geral e quase fixa de que é preciso parecer bom, feliz e generoso (nas redes sociais, isto é praticamente uma ordem). Deve cansar, mas não vale a pena agir de outra forma, afinal, com tradição não se brinca. A propósito, um amigo me perguntou sobre por que, no Réveillon, toca-se tanto músicas de carnaval. Dispensando qualquer conhecimento formal a respeito, valho-me apenas da intuição para responder:
– Ora, porque dezembro está indo embora. Graças a Deus.