Videntes apostam no recrudescimento da realidade, com a violência e o desemprego dando as cartas
Luce Pereira (texto)
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Samuca (arte)
A esperança segue sendo nossa maior tragédia e salvação. A parte ruim fica por conta da falta de questionamento sobre se existe motivo de fato para acreditar, enquanto a boa vem da magia de sentir aquela velha luz no fim do túnel, mesmo a realidade insistindo em falar de trevas. Magia não se explica, afinal. Logo, na descambada do ano – especialmente depois de doze meses entre a cruz e a caldeirinha – é provável que sobreviva entre os habitantes (outra vez) muito mais o lado luminoso dela, a que chamamos de otimismo, ainda que nem os astros nem os búzios nem todas as previsões sejam capazes de garantir coisíssima nenhuma acerca do surgimento de um ciclo menos espinhoso e danoso. A trégua faz parte da tentativa de milhões de sublimar dores cotidianas substituindo-as pela vertiginosa ilusão de que, depois dos fogos e dos brindes, uma força misteriosa tomará para si a tarefa de expurgar do país todos os males e mazelas. É aí que os videntes costumam encontrar terreno fértil, mesmo as tais previsões não sendo exatamente aquilo que todos gostariam de ouvir. E não serão mesmo. Pois apertem os cintos, porque até os astros apostam em mais golpes contra a coitadinha, em 2018, depois de ela resistir entre os brasileiros quase como sinônimo de teimosia descabida. Afinal, o que queremos com tanta ingenuidade?
Li, há pouco, que dois videntes paulistas famosos em suas comunidades, Janjão do Jardim Paraná e Tia Maura (Itaim Paulista), não conseguiram entusiasmar ninguém com suas consultas aos búzios e às cartas, pois até o Cosmos se nega a oferecer previsão otimista sobre o resultado de circunstâncias desastrosamente criadas. Sim, Donald Trump continuará desvairado, acendendo o pavio da Terceira Guerra Mundial e o barril de pólvora sobre o qual se apoiam suas medidas sociais; os fanáticos fundamentalistas islâmicos seguirão espalhando o terror por ruas da Europa e da América do Norte; enquanto a violência urbana fugirá do controle das autoridades e a economia parecerá uma espécie de zumbi esperneando para reviver. E neste cenário nada animador, o desemprego falará com voz ainda mais grave, incentivando jovens e idosos aposentados de classe média a mudar de direção: como na década de 1980, muitos devendo buscar países com economias menos turbulentas.
Mesmo o mundo místico, com a força que se supõe ter, ousa tocar em nosso calcanhar de Aquiles, as eleições 2018. Lamacento como é o universo político, que não para de produzir surpresas as mais desagradáveis, não deixa margem para nenhuma previsão mais clara. Vê-se trevas onde só há trevas, afinal. No entanto, se a vida trouxe realidade tão inverossímil como a que passamos a viver desde a chegada de Michel Temer ao Planalto, pode-se contar, também, que nada siga assim o tempo inteiro, em linha reta, e que de repente a paisagem (para o bem e para o mal) pode ser outra. Eis a esperança de volta – mesmo plantada sobre o terreno da dúvida e da desconfiança, ela vai sempre existir. Sim. Contudo, cabe apenas perguntar, para a glória e a saúde de tempos futuros, o que significa esperar sem lutar, sem exprimir – pela via do suor e da persistência – claro desejo de mudança? Apenas uma esperança de Réveillon, que se embriaga com brinde de espumante de ocasião e amanhece na maior ressaca, sem crédito nenhum. É preciso cultivar a esperança certa, aquela que só depende de esforço, consciência e união para garantir um ano bom e justo a todos.