Hoje assunto frequente no noticiário, o abastecimento de água potável também preocupava os recifenses na virada do século 19 para o século 20. O problema naquela época não era a falta do “precioso líquido”, mas sua contaminação. Desde 1899 começaram a ser registrados óbitos de pessoas que tiveram cólicas intensas com vômito, comprometimento do sistema nervoso central, dos rins e do coração. Eram sinais da intoxicação saturnina, provocada pela presença de sais de chumbo na água. No dia 6 de janeiro de 1900, o médico sanitarista Octavio de Freitas, Inspetor de Higiene, publica relatório apontando que o foco era a tubulação de chumbo usada pela Companhia do Beberibe, empresa constituída em 1837 para distribuir água encanada a partir do açude do Prata, em Dois Irmãos. Com 70 km de rede, a água também era destinada a 22 chafarizes públicos, fonte de consumo para a maioria da população de cerca de 90 mil habitantes. Quem bebia dessas fontes estava livre da intoxicação.
O Diario de Pernambuco acompanhou toda a polêmica. No dia 17 de janeiro de 1900, uma reunião médica discutiu o assunto da intoxicação saturnina. Um parecer subscrito pelos médicos José Francisco Martins Sobrinho, Alfredo d’Aquino Gaspar, Raul Azedo e Ermírio Coutinho defendia que a Companhia do Beberibe substituísse a tubulação de chumbo do interior das casas por encanamento de ferro. No dia 22, o governador Antonio Gonçalves Ferreira nomeia comissão para discutir o problema de saúde pública. Descontente com o andamento do caso, em 9 de maio Octavio de Freitas pede demissão do cargo de Inspetor de Higiene. Cinco dias depois, 53 médicos assinam manifesto conclamando os recifenses a não fazer uso da água fornecida por encanamentos de chumbo da Companhia do Beberibe.
No dia 15 de junho, desembarca no Recife o químico Horácio Antunes, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, contratado pelo governo do estado para examinar as águas da Companhia do Beberibe. Somente em 2 de julho ele faz testes e recomenda uso de filtros de carvão animal e limpeza do açude. O seu relatório completo foi publicado no Diario de Pernambuco entre os dias 30 de novembro e 8 de dezembro. No dia 14 do último mês do ano, o governador decide, após não ser encontrado nenhum elemento anormal na água fornecida pela Companhia do Beberibe, aprovar a manutenção dos canos de chumbo, mediante o uso de carbonato de cal em pó nas bombas.
Mesmo com o aval do poder público, a Companhia do Beberibe já demonstrava não ter condições de acompanhar a crescente demanda provocada pelo aumento de população. Em 1912, a empresa foi incorporada à Diretoria de Viação e Obras Públicas e depois à Comissão de Saneamento. Em 1918, os recifenses tinham à disposição um novo sistema de abastecimento d’água, utilizando como manancial de captação o Rio Gurjaú, um dos afluentes do Pirapama.
Enquanto os recifenses liam nas capas do Diario os relatórios sobre a intoxicação saturnina, nas páginas internas podiam conhecer as maravilhas da medicina moderna, através dos anúncios de remédios que prometiam a cura em poucas doses. Xaropes, elixires, bálsamos e pílulas eram solução para tudo, menos para morte. Confira galeria com 20 medicamentos anunciados em 1900, com destaque para os cigarros contra a asma.