Audiência da maior doadora de leite materno do Brasil contra apresentador de programa de TV coloca a inconsequência em pauta. Em 2013, Danilo Gentili ridicularizou a técnica de enfermagem Michele Maximino comparando-a a um ator pornô. Uma piada que trouxe consequências sérias na vida real e foi parar na Justiça. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quinta-feira, por Silvia Bessa. A foto é de Annaclarice Almeida.
Gentili, Michele e o efeito manada
Silvia Bessa (texto)
Annaclarice Almeida (foto)
O processo que a pernambucana Michele Maximino move contra o apresentador Danilo Gentili por ter feito piada na TV comparando-a a um personagem de filme pornô não diz respeito só a ela. O caso que está sob julgamento, e cuja primeira audiência se deu ontem em Olinda, deve ser pensado além da família formada por Michele, o marido Ederval e os filhos Matheus, Gabriel e Mariana. Merece ser debatido em sala de aula de ensino médio e incluído como tema de atualidades porque nele está uma série de exemplos de como a inconsequência pode transformar a vida das pessoas e do meio. Nada tem a ver com moralismo, feminismo, liberdade de expressão ou maturidade do país para entender humor. O encadeamento dos acontecimentos fala por si e como diante de fatos não há argumento listo alguns:
A inconsequência fez com que Michele se mudasse com a família para Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife; as ruas de Quipapá, 25 mil habitantes em média, tornaram-se insuportáveis. Fez com que parte da população de Quipapá seguisse o “efeito manada” e a fizesse vítima de outras piadas, sem considerar o impacto que as chacotas teriam sobre Michele. Provocou uma baixa antecipada no estoque do banco de leite materno com o qual Michele contribuía porque o leite dela secou repentinamente. Prejudicou os bebês que do leite se beneficiariam. Para a própria comunidade, foi negativo porque havia um projeto de lei do vereador Marcelo Ribeiro para criar um banco de leite local e, depois do programa, a ideia não prosperou. E a inconsequência fez com que as campanhas de doação de leite perdessem uma garota propaganda como nenhuma outra. É o que lembro.
Michele rodava três vezes por semana cerca de 80 quilômetros para ir do município de Quipapá para o de Caruaru para doar leite à Maternidade Jesus de Nazareno. Ordenhava cinco vezes e conseguia até três litros por dia. Em onze meses, foram cerca de 420 litros. Na gestação anterior, a de Gabriel, hoje com 5 anos, ela doava mas nunca calculou o volume porque o leite não chegava a ser pasteurizado no Instituto Materno Infantil (Imip) e era entregue direto às mães de bebês que precisavam. Foi aí que em um programa exibido em 3 de outubro de 2013 Danilo Gentili disse em rede nacional que “em termos de doação de leite, ela já tá quase alcançando Kid Bengala”, numa menção a um personagem do ator pornô Clóvis dos Santos. O colega de palco Marcelo Mansfield completou a chacota dizendo: “Isso não é uma espanhola, é uma América Latina inteira”. Espanhola é expressão usada para sexo com seios. A foto de Michele foi estampada no programa.
Michele conta que passou a sair nas ruas de Quipapá e ouvir as pessoas dizendo: “olha a vaca”. “Foi muito difícil para mim. Uma desmoralização de minha vida”, contou-me ontem, enquanto esperava o início da audiência e a chegada do próprio Gentili para se defender. O marido diz que começou a receber na web insultos de adolescentes, alunos de 13 e 14 anos, com frases semelhantes a essa que dizia assim: “Achei foi bom o Danilo Gentili chamar a sua mulher de vaca pois é o que ela é”. “Imprimi como prova da repercussão”, contava nesta quarta-feira Ederval, que foi para Quipapá ensinar História na rede municipal de ensino.
Ontem Michele estava como autora da ação à espera do julgamento. Abraçava os próprios braços para disfarçar a tensão para a audiência. Estava cuidando de Mariana, de dois anos, e tinha o apoio de amigos. De Quipapá, veio Josete Maria Ribeiro, de 32 anos, o marido Marcelo Ribeiro e os trigêmeos Luiz Gabriel, Luiz Raul e Luiz Davi, de dois meses. “Fiquei no Imip dois meses e sei o quanto o leite materno faz a diferença para prematuros”. Duas pessoas testemunharam em favor de Michele.
Danilo não foi para a audiência. Em seu lugar, estava um advogado. Ele responderá por carta precatória, em São Paulo. Não há data para acontecer, assim como não há prazo para divulgação do resultado. A juíza que presidiu a sessão de ontem, Regina Célia Maranhão, determinou que a audiência fosse privada. Do lado de fora, além da imprensa, ficaram representantes das entidades públicas e não-governamentais que defendem o direito das mulheres. Paula Viana, do Grupo Curumim, fez sua análise. “O que a gente tem de debater é a liberdade de opressão dos que usam o humor como fachada para agredir gratuitamente”. Concordo e continuo achando que o caso de Michele serve para discutir inconsequência, irresponsabilidade e impacto sobre a vida alheia.
Mesmo que a audiência seja restrita, espero que a mídia, tv, jornais, etc. divulguem o suficiente para mostrar ao Sr.Danilo que para ser engraçado não precisa atacar grosseiramente um ser humano que com sua bondade alimentava bebes, cujas mães não podia alimentar.
Este sujeito tem mãe? Que humoristas como Chico Anisio, Renato Aragão, para ser engraçado não usavam piadas para humilhar e nem privar as pessoas de suas rotinas de vida.
Justiça!
Abraços
Henriqueta