Em Foco 1404

Epidemia de dengue nos grotões de Pernambuco é destaque em novo relatório da doença divulgado pela Secretaria de Saúde, que reconheceu oficialmente surto em 83 municípios do estado. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta terça-feira, por Silvia Bessa. A foto que ilustra a página é de Alcione Ferreira.

Dengue aflige interior

Silvia Bessa  (texto)
Alcione Ferreira  (foto)

Se o problema da dengue é grande aqui, na Região Metropolitana do Recife, imagine no município sertanejo de São José do Egito, distante 356 quilômetros da capital, umas cinco horas de viagem de carro. O quadro de lá é mais do que preocupante e os números são a ponta de um novelo. São José do Egito, que tem cerca de 33 mil habitantes, está no topo da lista das cidades mais incidentes da doença no estado, de acordo com informações da Secretaria de Saúde de Pernambuco divulgadas ontem. Foi ofuscado por números absolutos grandiosos como os de Recife, Jaboatão e Camaragibe. Mas merece cuidados especiais porque a quantidade de afetados é fora da curva. Por este motivo, me ative a São José e aos pequenos. Descobri que quando uma taxa de incidência, numa conta que leva em conta o número de casos por 100 mil habitantes, chega a 300 se diz que há um surto. Pois em São José a tal taxa chega a 1.148,01, imagine.
De janeiro até então, foram 443 casos notificados, tratados como suspeita em São José do Egito, disse-me ontem a coordenadora de Vigilância Sanitária local, Kelly Gomes, entrevistada por telefone. Suspeito que o volume de vítimas da dengue em São José é bem maior porque o sistema de saúde tem, como de praxe nas localidades mais afastadas, limitações se compararmos à oferta de serviços que vemos na capital. Para começar, o acesso é difícil. Fui em busca de ouvir moradores sobre o assunto. Conheci a dona de casa Elizabethe Veras, de 64 anos. Na família dela, cinco pessoas estiveram com sintomas de dengue. Uma deve ter sido notificada porque fez consulta e precisou ser internada, crê Elizabethe.
Faz uns quinze dias que os sintomas semelhantes aos da dengue começaram a aparecer no corpo de Elizabethe: manchas no corpo, febre e um “esmorecimento que só vendo”, como diz. Nem teve tempo de parar e descansar. O pai, seu José Batista (84 anos), e a irmã Vera Lúcia precisaram de cuidados. A filha Heleide inchou os pés e ficou com dificuldades de atender na lojinha que tem no comércio. Por último, foi a neta Letícia (4 anos) que teve manchas “parecendo sarampo”, garganta doída e deixou de ir para a escola por uma semana. Sem falar na irmã de criação, Maria Aparecida, que precisou ser hospitalizada. “A senhora e o pessoal daí foram no médico, dona Elizabethe?”, perguntei. “Fomos ao posto, mas não chegamos a ser atendidos. Aqui, são 20 fichas para atender muita gente. Só no Planalto, meu bairro que tem dois postos, são 3 mil moradores”. Ficou por isso mesmo, sem atendimento e sem notificação. Na rua dela, em quase toda casa tem um vizinho que apresentou sintomas semelhantes, informa.
O tratamento de prevenção da dengue é função da prefeitura, em princípio. O estado presta socorro em cenários mais graves, em que o município perdeu o controle. No final da Semana Santa, há menos de 15 dias, São José precisou dessa interferência. Como ele, os municípios de Custódia, Pedra, Venturosa, Inajá, Goiana, Surubim, e Lagoa do Carro receberam a UBV pesada, que é aquele fumacê que serve para fazer o chamado bloqueio de transmissão, impedindo que os mosquitos que voam transmitam a doença.
A coordenadora do Programa de Controle da Dengue da Secretaria Estadual de Saúde, Claudenice Pontes, considera que a escassez e as chuvas esporádicas podem ter contribuído para quadros de gravidade no interior. Com a seca, a população precisa de armazenar mais água em reservatórios e nem sempre o procedimento é feito corretamente, deixando portas para a proliferação do mosquito. Quando há chuvas eventuais, ainda que pequenas, surge o perigo do acúmulo de água em baldes, pneus e lixos expostos, lugar certo para o mosquito.
O levantamento divulgado ontem diz que há risco de surto em 83 municípios pernambucanos. Desses, há um total de 24 em epidemia, a exemplo de São José do Egito, afora o Recife e Fernando de Noronha. Sei que a dengue se apresenta como uma ameaça em todo o Brasil. Por isso mesmo não se pode esquecer que umas cordas são mais fracas que outras no enfrentamento da epidemia.