De milho, Monteiro Lobato sabia. Tanto que um dos seus personagens do Sítio do Picapau Amarelo era exatamente o Visconde de Sabugosa. Mas Lobato não vivia exatamente no mundo do pirlimpimpim. Era um ativista de muitas causas, a principal delas a produção de petróleo em terras brasileiras. Em 10 de julho de 1948, seis dias depois da morte do escritor e editor, aos 66 anos de idade, vítima de espasmo cerebral, o Diario de Pernambuco reproduziu a sua última entrevista, concedida ao radialista Murilo Antunes Alves. É onde se percebe a atualidade do pensamento de Lobato, nestes tempos de propinas envolvendo a Petrobras e até do desapego de tradições culinárias como a pamonha, que ganha sobrevida no período junino.
Em conversa descontraída com o amigo “radiofonista”, Monteiro Lobato apresenta respostas afiadas e bem-humoradas sobre vários assuntos. Assim como um quitute de Tia Nastácia, é uma delícia conhecer o pensamento do autor da frase “um país se faz com homens e livros”. Alvo recente da patrulha extremista do politicamente correto, vale a pena conhecer e defender Lobato. E toda a turma que ele criou.
A IMPORTÂNCIA DO RÁDIO
É um grande erro estar renovando programas: o certo é repetir todas as noites a mesma coisa, o público gosta e não quer mudanças.
O PETRÓLEO
Sobre o petróleo? Bem. É um assunto em que eu era muito versado antigamente. Eu levei dez anos entendendo de petróleo, furando a terra etc. Hoje eu noto que o petróleo fez um grande progresso: em vez de estar furando a terra, está tirando esmolas: virou mais um pobre… O Brasil tem agora, entre os seus pobres habituais – os pobres da lepra, os pobre da tuberculose – o pobrezinho do petróleo. Já vi, num lugar, um caldeirãozinho, como esses do Exército da Salvação, um letreiro – “Pró-Petróleo”. São estudantes que estão tirando dinheiro para fazer discursos sobre o petróleo. De maneira que o que eu sei sobre o petróleo é isso: que ele evoluiu muito e em vez de furar a terra, como no meu tempo, uma coisa muito perigosa… eu fui perseguido, estive na cadeia por estar furando a terra…
A PAMONHA
A pamonha é uma das coisas mais belas que há no interior e em toda parte onde há milho. Onde há milho há pamonha. Depois do içá, a melhor coisa do interior é a pamonha. O Bentim é dessa opinião porque ele é um grande comedor de içá. Não sei se o público moderno, aqui da cidade, sabe o que é içá. Içá é formiga torrada. Tem um gosto muito especial, muito característico e um cheirinho muito característico que eu não digo do que é para não escandalizar o público.
OBRAS INFANTIS
Faz tanto tempo que elas surgiram que eu não me lembro mais. Eu me lembro que tem uma Emília que é muito engraçadinha, mas são águas passadas. De maneira que eu queria que aqui o radialista, o radicioso, o rádio-não-sei o que fizesse uma pergunta menos pessoal, menos próxima. Isso está muito esquisito.
CRISE E SUBORNOS
Esta pergunta ainda é mais difícil que a outra, porque o Murilo acha que estamos numa época generalizada de suborno e eu tenho medo de me comprometer. Eu já fui para a cadeia uma vez e depois disso eu fiquei cauteloso e antes de omitir uma opinião eu penso nas consequências, porque há uma pessoa que me proibiu de voltar à cadeia – minha mulher, e eu respeito muito as ideias dela. Ela acha que uma vez já é bastante e graças aos seus conselhos eu me tornei cauteloso.
FUTURO
Esse negócio de não acreditar no futuro aqui da terra é consequência da nossa história – tudo tem fracassado, todas as experiências têm fracassado. Não há razão para acreditar. Pessoalmente, acredito ainda em alguma coisa, mas é pro forma e para não desagradar totalmente os patriotas, coitados… (…) Mas cá entre nós, que ninguém nos ouça, eu também não acredito em mais nada. E tenho verificado o seguinte: que só os homens que chegaram a esta filosofia é que são felizes, porque todos quantos ainda acreditam em alguma coisa acabam levando na cabeça.
BOMBAS ATÔMICAS
O que está faltando ao mundo para o restabelecimento da paz é apenas isto: bombas atômicas para todos, de igual força. No dia que chegarmos a isso, todos os problemas estarão resolvidos e viraremos, então, uns carneirinhos. É essa a minha opinião, mas cá entre nós, é uma coisa que eu não quero que se divulgue.
EDITAR E VENDER LIVROS
Meu desejo é para que os bons livros se vendam e não haja um sequer comprador para um mau livro, porque a pior peste que há no mundo é um livro mau – a gente perde até o tempo da leitura.
PRINCIPAL OBRA
De todas as minhas obras a que mais me agrada é a que me dá mais dinheiro, a que me dá maior lucro. Revendo as minhas contas eu vejo que “Narizinho Arrebitado”, porque já vendi uma série de edições de “Narizinho”, de mais de cem mil exemplares. Portanto, esta é a querida do meu coração. Se eu dissesse qualquer coisa diferente seria mentira ou hipocrisia.
SE VOLTASSE A VIVER
Eu acho que eu quereria isso: viver de novo a minha vida, a vida que eu vivi, escrevendo coisas mais variadas, de mais interesses para as crianças e mais, porque as crianças me condenam a uma coisa: que eu escrevi pouco para elas, poderia ter escrito muito mais. E eu creio que sim. Perdi o tempo escrevendo para gente grande, que é coisa que não vale a pena.
MAIOR DESEJO
Meu maior desejo, neste momento, seria ver este locutor pelas costas e eu já lá em cima, no meu apartamento, na cama, para descansar desta esfrega que levei hoje.