Correspondente do jornal norte-americano Los Angeles Times na Coreia do Sul entre 2001 e 2006, a repórter Barbara Demick encontrou uma forma de narrar os bastidores da outra Coreia, a do Norte, mesmo sem ter muito livre acesso ao país comandado há 70 anos por uma mesma família (Kim Il‑sung, Kim Jong‑il e Kim Jong-un), agora na terceira geração. Em 2009, ela lançou Nada a invejar – Vidas comuns na Coreia do Norte, que ganhou versão brasileira em 2013 pela editora Companhia das Letras.
Se não podia circular pela Coreia do Norte, Barbara foi em busca das pessoas que arriscaram as própria vidas e das suas famílias em fuga desesperada da opressão e da fome. Como estratégia para cruzar informações e ter um relato mais próximo da realidade, ela optou em narrar as histórias de ex-moradores de Chongjin, uma das cidades industriais do nordeste da península, não muito longe da fronteira com a Rússia.
Barbara Demick teve um excelente professor quando estava na faculdade: John Hersey, autor do clássico Hiroshima, onde cruza as histórias de sobreviventes da primeira bomba atômica detonada contra humanos. Ela segue o mestre ao contar a vida de norte-coreanos que aos poucos percebem que o paraíso não era tão encantador assim.
O país que comemorou no sábado passado as sete décadas de um regime que controla a vida de cada cidadão do berço ao túmulo optou pela militarização como forma de acabar com qualquer dissidência interna. O que o livro de Barbara Demick mostra é a capacidade do ser humano de se adaptar às situações mais extremas.
No caso da Coreia do Norte, a decadência econômica na década de 1990, com o fim da ajuda dos irmãos comunistas – União Soviética, principalmente – cobrou um preço alto para toda uma geração. Quem escapou à fome ficou com sequelas, as crianças mais baixas do que as da Coreia do Sul.
O título Nada a invejar foi tirado de uma das canções típicas da Coreia do Norte, entoada pelas criancinhas para destacar que é uma sorte ter nascido em um país tão abençoado. Quem saiu de lá já não pensa mais assim.