Milhões de usuários se surpreendem com decisão da Justiça de suspender por dois dias aplicativo mais usado, porém serviço volta menos de 24 horas depois
Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)
As senhoras e os senhores veem: em um momento tão delicado da vida nacional, para levar grupos numericamente razoáveis às ruas, a fim de defender a democracia (ou enterrá-la), agremiações políticas, movimento sindical, ONGs e militantes sofrem um bocado. Mas a noite de quarta-feira mostrou que se o alvo de um “impeachment” definitivo fosse o aplicativo Whatsapp, a maior parte dos cerca de 100 milhões de usuários no país, provavelmente, sairia da zona de conforto para protestar e defendê-lo. A decisão da Justiça de suspender por 48 horas o funcionamento da ferramenta no Brasil – porque não houve resposta dos donos a um pedido de quebra de sigilo de conversas mantidas entre criminosos, feito em fevereiro – incendiou as redes sociais antes mesmo das 23h (hora local) de quarta-feira. Um clamor do Oiapoque ao Chuí.
Insones, baladeiros e gente que, noite adentro, labuta na profissão não teve outro assunto e alternativa a não ser lamentar nas redes socias – com depoimentos, ironias e memes – a “triste” notícia, assim encarada pelo fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, dono do aplicativo mais querido do país, utilizado, segundo o Ibope, por 93% dos usuários da internet, na frente, inclusive, do próprio Facebook (79%). Ar de bom moço contrariado e solidário com a “desventura” que se abateu sobre tantos milhões de dependentes brasileiros do “zap”, como é chamada na intimidade a ferramenta, Zuckerberg exaltou a mobilização do seu exército contra o que entendeu como “arbitrariedade” da Justiça brasileira, corrigida com a liberação do serviço antes mesmo do fim da manhã de ontem, quando uma sentença derrubou a primeira. O desembargador Xavier de Souza, do TJ paulista, considerou que não seria algo razoável prejudicar tantos usuários e sim a punição ir para a empresa em forma de aumento da multa, a esta altura já avaliada em R$ 6 milhões.
“Estou chocado, este é um dia triste para o país”, escreveu Zuckerberg em seu perfil na rede social. Exagero, diante dos muitos dias realmente tristes que o Brasil tem atravessado com políticos chafurdando na lama de sucessivos e inacreditáveis escândalos. No entanto, quando ele fala o mundo presta atenção e, neste caso, o tom do lamento só ajuda a levar até investidores estrangeiros aquela imagem do país associada à arbitrariedade, algo que habitualmente não veem com bons olhos. Especialistas em direito da propriedade intelectual avaliam que mesmo tratando-se de informação importante para o trabalho da Justiça, a questão poderia ser resolvida de outra forma, com pena de natureza pecuniária. Milhões foram atingidos pelo bloqueio do serviço e, além disso, o caso também abre precedente para outras decisões capazes de colocar em risco a privacidade e a liberdade de expressão dos brasileiros.
Longe das discussões sérias produzidas pelo fato, quem usa o aplicativo como canal de entretenimento alimentou o debate em torno da suspensão com a fórmula do riso fácil. No ambiente das redes sociais tem sido assim: quanto mais estéril ou vulgar for o assunto, mais audiência, compartilhamentos, curtições, comentários. Como se viu no caso da mineira Fabíola, surpreendida pelo companheiro com o melhor amigo dele ao sair em um motel. Espécie de “Madalena” dos tempos modernos, a moça foi maltratada fisicamente e exposta depois de ter o momento do flagrante filmado e postado nas redes sociais pelo homem traído. Ninguém se deu ao trabalho de refetir sobre que traição é um assunto de ordem pessoal, enquanto a violência, da conta de todos. Ali estava apenas a mulher infiel e não o homem que cometia um crime ao agredi-la sem temor nenhum e diante de uma câmera.
Não se tem a menor ideia do que Zuckerberg diria sobre um episódio assim. Mas triste mesmo, afinal, vem sendo a conduta da maioria diante de comportamentos, fatos e situações importantes, que quando tratados nas redes sociais mal conseguem míseras curtidas e se esvaziam depressa diante de uma indiferença que choca. Parece que os brasileiros estão se transformando em claque da própria desgraça.