O brasileiro não consome cultura por que não gosta ou por que não pode? Ato solidário em Pernambuco põe tema em debate
Vandeck Santiago (texto)
Nando Chiappetta/DP (foto)
Cento e vinte alunos de uma escola municipal pernambucana, com idades entre 8 e 14 anos (foto), foram pela primeira vez ao cinema na quarta-feira passada. Chegaram lá de ônibus, cada um deles recebeu um saco de pipoca grande e um refrigerante e assistiram a Hotel Transilvânia 2. Beneficiaram-se de uma ação coletiva que lhes proporcionou o transporte, o lanche e o filme. Gostaram de tudo que viram – a própria condução em ônibus exclusivos para eles, a telona, as cadeiras confortáveis do cinema, a profusão de lojas do shopping no qual o estabelecimento está instalado… São todos filhos de famílias pobres. Não há previsão de quando terão a chance de ir pela segunda vez.
O Brasil cresceu, desenvolveu-se, a vida de milhões de brasileiros mudou para melhor – mas ainda existe um fosso comprido e profundo entre muitos dos nossos irmãos e o acesso à cultura. Pesquisa deste ano sobre nossos hábitos culturais, feita pela Fecomércio RJ/Ipsos, constatou o seguinte: 73,7% dos brasileiros não vão ao cinema; 80,6% não vão a shows; 88,8% não frequentam teatro; 91,2% não vão a espetáculos de dança; 92,5% não costumam ir a exposições de arte; 70,1% não leem livro.
Aí primeiro você dá o corte de procurar ver em quantos municípios há cinemas, teatros, espetáculos etc., e feito isso os percentuais já sofrem um estremecimento. E segundo você coloca na mesa a questão econômica: imaginem o que significa para muitos brasileiros despender R$ 20, R$ 50 ou mais por ingresso. Acrescente-se o transporte. Depois imaginem-se como pai/mãe de família, tendo que arcar com a despesa de duas, três ou quatro pessoas – e só então, feitas estas considerações, é possível ter uma visão do que significam os percentuais acima. Não é da cultura pura e simples que estamos falando – é de exclusão. Não é de entretenimento e sensibilidade cultural que se trata, mas de um quadro de injustiça econômica e social.
Sim, sei que que há pessoas para as quais dinheiro não é problema e mesmo assim não frequentam tais lugares; mas não é destes que estou falando. Falo da grande maioria dos brasileiros. Para estes, 83% da despesa mensal da família brasileira vão para habitação, transporte, alimentação e saúde, informa a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE. Não surpreende que ainda tenhamos jovens que nunca entraram em um cinema. Se a gente levar a investigação adiante, é capaz de constatarmos que os pais deles nunca entraram.
Neste cenário enquadram-se os 120 meninos e meninas mencionados no início do artigo. São alunos da Escola Municipal José Rodovalho, em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. A ideia de levá-los ao cinema surgiu após entrevista que a professora Vivian Martins, da escola, deu à repórter do Diario Anamaria Nascimento.
Em levantamento feito na escola, Vivian descobriu que cerca de 80% dos estudantes de lá nunca haviam assistido a um filme num cinema. Por que não levá-los? Um cinema em um shopping da cidade aluga sala para exibições, incluindo pipoca e refrigerante. Em campanha junto a colegas, Anamaria reuniu o dinheiro necessário (R$ 10 por pessoa). Vivian organizou a operação na escola. O Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE) providenciou três ônibus (da Transcol) para levar e trazer a garotada. E assim foi possível a concretização de cenas como a que mostra a foto desta página. Alguém há de dizer: “Ah, mas isso é uma gota no oceano…” E é mesmo. Mas quem viu a alegria deles – na viagem de ida, antes do filme, depois do filme, na viagem de volta – sabe que pelo menos para aqueles 120 meninos e meninas foi algo mais do que uma gota.