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Em dia histórico para a ciência, pesquisadores ouvem “ruído” de ondas gravitacionais que foram previstas pelo físico alemão, há cem anos.

Luce Pereira (texto)

Em cada dez listas de gênios do século 20, o físico Albert Einstein, com certeza, aparece em todas – e não há nada de estranho nisto. Aos 26 anos, em 1905, lá se via ele apresentando a sua Teoria da Relatividade (o tempo e o espaço são relativos e estão entrelaçados), depois da qual as descobertas da ciência avançariam a passos de guepardo, o felino que arranca a 70 km/k e atinge velocidade de 115 km/h. Surpreendentemente longeva, a genialidade do alemão chega aos dias de hoje e faz o mundo sonhar em viver as aventuras do cientista maluco do filme De volta para o futuro. Com a diferença de que no “túnel do tempo” viabilizado pela descoberta anunciada ontem, a pessoa poderia escolher se o destino da viagem seria passado ou futuro.

Pois bem, não é toda sexta-feira que o café da manhã de milhões de famílias ao redor do mundo tem sabor de fantasia. Pela segunda vez, Einstein rouba a cena e oferece outro dia histórico para a ciência depois de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusets conseguirem a comprovação de que as ondas gravitacionais previstas por ele existem. Através do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser, fundado em 1992, foi possível ouvir um pequeno “ruído” oriundo do choque entre dois buracos negros – um deles de massa 36 vezes maior que o Sol, outro com massa 29 vezes maior, situados há cerca de 1,3 bilhão de anos-luz da Terra. E se a realidade no país não tem produzido grandes motivos para orgulho, é preciso lembrar que a equipe responsável pela descoberta tem a colaboração de seis brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São Paulo, coordenados por Odylio Denys de Aguiar.

Embora não seja possível afirmar de imediato o que a descoberta pode trazer de revolucionário para os habitantes do planeta nem, no caso do cidadão comum, entender como ela se processa, a empolgação dos cientistas fez muita gente desejar estar vivendo daqui a aproximadamente cem anos. Seria o tempo previsto por Aguiar, entrevistado na manhã de ontem por canais de televisão, para a possibilidade de a vida imitar a arte e curiosos poderem, quem sabe, se vir diante do sonho de despertar no passado ou no futuro, viajando em um túnel do tempo.

Por mais abstrata que a ideia possa ser e ainda que continue parecendo estranha aos olhos de mais da metade do mundo, a perspectiva de vê-la a serviço da realidade ou da fantasia, em um tempo não muito distante, dá a dimensão do brilhantismo do gênio alemão capaz de incomodar até os nazistas, pelos quais foi obrigado a esquecer tesouros do coração como a casa de verão na pequena Caputh, arredores de Potsdam (Alemanha). Invadida, a residência cercada de árvores enormes se viu sem os objetos do antigo dono (descendente de família judia alemã), que conseguiu se manter fora do alcance de Hitler, nos Estados Unidos, onde viveu até morrer, em 8 de abril de 1855.

Em outubro de 2013, numa viagem à Alemanha, estive lá um dia depois da reunião para a escolha do nome do vencedor do Nobel de Física daquele ano. Neste caso, dois: o belga François Englert, 80 anos, e o britânico Peter Higgs, que em 1964 expuseram a teoria sobre como as partículas adquirem massa, processo justificado pela existência do bóson de Higgs. Foi considerada uma das mais importantes descobertas desde a Teoria da Relatividade. As cadeiras dispostas em volta de uma grande mesa, na sala toda feita em madeira, dava o tom solene do encontro e da importância do lugar. Uma senhora inglesa, que também olhava em volta imaginando a vida levada ali pelo irreverente Einstein, exclamou baixinho: “Tão sagrado, dá vontade de rezar”. Concordei, pensando em como o tempo – e só ele – é o senhor de tudo.