“Rei dos Reis”, “O Eleito de Deus” e “O Leão de Judá”. Descendente direto da dinastia de Menelik I – filho do rei Salomão e da rainha de Sabá – e o 255º monarca da descendência direta de seu patriarca bíblico. Imperador da Etiópia desde 1930, Haile Selassie tinha muitos títulos. Todos eles usados quando da sua visita ao Brasil, em dezembro de 1960, que foi abreviada devido a um golpe dado pelo próprio enteado, Asfa Wosen. No intervalo de três dias, Selassie esteve por duas vezes no Recife, o ponto de chegada com festa (apesar do cansaço) e de retorno com melancolia (e preocupação) para a África.

Aos 68 anos de idade, Selassie desembarcou na capital pernambucana no dia 12 de dezembro de 1960. Desceu às 16h50 de um DC-6 da Força Aérea Etíope, avião que despertou a curiosidade dos curiosos no aeroporto dos Guararapes por ter na fuselagem dois enormes leões amarelos pintados em cada lado do aparelho, à altura da cabine de comando.

Em roupas civis, Selassie e a neta, a princesa Aida Desta, foram recebidos pelo governador Cid Sampaio. Eles subiram no Lincoln do governo do estado, que em virtude da chuva fina, não arriou a capota, seguiu para o Palácio do Campo das Princesas passando por Boa Viagem. O cortejo teve falha de seguranças, com carros particulares e praças se infiltrando entre os veículos oficiais.

Já no palácio, Selassie falou com a imprensa por três minutos, em francês. Cansado, ele solicitou o cancelamento do banquete de 70 talheres que governador iria oferecer. Houve apenas um jantar íntimo. O imperador pernoitou no palácio e às 8h, embarcou para Brasília.

O imperador etíope estava em São Paulo, no dia 14, quando soube que seu enteado queria tomar o poder. Cancelou o seu giro pela América do Sul e decidiu retornar ao país. O seu DC-6 fez uma escala no Recife, documentada apenas pelo Diario de Pernambuco, que escalou três repórteres e o fotógrafo Diógenes Montenegro para registrar suas impressões sobre o golpe de Estado.

O avião aterrissou às 5h15 no aeroporto militar do Ibura. Aguardando, apenas o governador Cid Sampaio e o ajudante de ordens, o major José Inácio dos Prazeres. Selassie e a princesa Aida estavam com a aparência tranquila, embora demonstrando sinais de uma noite mal dormida. Um café da manhã foi servido no cassino dos oficiais. Logo depois, a partida para a travessia do Atlântico.

No dia 13 de setembro de 1974, o Diario dava como manchete o golpe militar que derrubou de vez Selassie. O imperador estava com 82 anos, sendo o mais antigo monarca do mundo na ocasião e chefiava o mais velho império da Terra – com 3.000 anos – foi destituído e preso após seis meses de constantes pressões dos militares que exigiam a reforma agrária, eleições democráticas e moralização administrativa. Ele veio a falecer em 27 de agosto de 1975.

Eternizado em uma música de Bob Marley [War, baseada no seu discurso na Liga das Nações em 1936], Selassie é também conhecido como Ras Tafari, nome que usava como rei da Etiópia até ser proclamado imperador pela Igreja Etíope Ortodoxa Cristã e adotado o novo nome. Acabou sendo considerado um deus pelos adeptos da religião rastafári, surgida na Jamaica nos anos 1930 e que é seguida atualmente por cerca de um milhão de pessoas no mundo.

Os bastidores do governo de Selassie foram contados de forma magistral pelo jornalista polonês Ryszard Kapuscinski, que entrevistou às escondidas personagens do palácio de um país pobre. O livro “O imperador – A queda de um autocrata”, de 200 páginas, foi lançado no Brasil em 2005 pela editora Companhia das Letras.