Em tempos de guerra, jornalismo e literatura podem dividir a mesma trincheira. Um relato no calor da hora se transforma depois em uma história de ficção que tem a mesma força de retratar uma realidade fora do comum. Agora disponíveis em língua portuguesa, os relatos de Vassili Grossman são um exemplo de como os conflitos afetam uma mente criativa.
Judeu nascido na Ucrânia, ele participou da batalha dos soviéticos contra os nazistas diretamente do front. Da resistência em Stalingrado ao desmantelamento dos campos de concentração na Polônia, ele presenciou por mil dias a barbárie. Experiência que, somada à perda da mãe (morta pela SS), além das perseguições à sua obra dentro do regime stalinista, resultou na obra-prima “Vida e destino”, um calhamaço de 920 páginas que é considerado o “Guerra e paz” do século 20.
Lançado pela Editora Objetiva em 2014, “Vida e destino” é o contraponto literário à produção jornalística de Vassili Grossman, que pode ser conferida no livro “Um escritor na guerra — Vassili Grossman com o Exército Vermelho, 1941-1945”, publicado em 2008 no Brasil pela Objetiva. O historiador britânico Antony Beevor foi o responsável pela edição final de 496 páginas, que reúne material baseado nos cadernos de anotações que Grossman levou para o front.
A mistura de jornalismo e literatura de Grossman encontra-se reunida no livro “A estrada”, lançado pela mesma Editora Objetiva em novembro do ano passado. Com 336 páginas, reúne contos e artigos produzidos durante e depois do segundo conflito mundial. A cada trecho da vida do autor, uma introdução explica os detalhes da produção de Grossman com a sua vida pessoal.
Consta no livro, por exemplo, o texto que o jornalista escreveu sobre Treblinka, um dos primeiros relatos sobre os campos de concentração, que depois acabou incorporado como peça de acusação no julgamento dos líderes nazistas em Nuremberg.
O conto que dá nome ao livro narra o horror das guerras a partir do ponto de vista de uma mula italiana. O animal, no caso, somos nós.
A Objetiva disponibilizou para leitura o conto “Na estrada de Berdítchev”. Um texto que Grossman, de certo modo, homenageia a mãe, assassinada por tropas da SS neste mesmo local.