Um dos polos cervejeiros mais importantes do país, com fábricas da Ambev, Brasil Kirin e Itaipava – a quarta será a Indústria Brasileira de Bebidas (Ibbeb), que começará a operar em 2018 – e mais de uma dezena de produtoras artesanais, Pernambuco tem uma relação antiga com a bebida. Tanto que a primeira cervejaria nacional – ou das Américas, para não perder a mania de grandeza – teria surgido no Recife, em 1641, com uma estrutura montada a partir de peças trazidas da Holanda a mando de Maurício de Nassau. O cervejeiro Dirck Dicx servia o seu produto numa casa chamada La Fontaine, em um lugar situado hoje no bairro das Graças. A aventura terminou em 1654, com a retomada dos portugueses. Esta informação consta do site Cervisiafilia.
A cerveja praticamente saiu de cena no Recife na época do Brasil Colônia. Para os portugueses, interessava mais vender o vinho lusitano do que uma bebida concorrente. Sem contar que a aguardente, pela quantidade de engenhos em Pernambuco, tornava a “branquinha” boa e barata. Mas eis que, com a Independência e a abertura dos portos aos produtos de outros países – a cevada e o lúpulo incluídos – a cerveja voltava a ter seu espaço nas tabernas e restaurantes locais. Graças, principalmente, aos estrangeiros (sempre eles).
Em 1866, o Recife já possuía duas fábricas de cerveja, uma dos franceses Chaix & Gassier e a outra do prussiano Henry Joseph Leiden, por sinal o primeiro introdutor da bebida no Brasil e ex-produtor e proprietário da Imperial Fábrica de Cerveja, no Rio de Janeiro. A informação consta nos relatórios publicados no Diario de Pernambuco no período de 23 de novembro a 6 de dezembro daquele ano, a respeito da realização da Exposição Provincial, que apresentava o que de melhor era produzido no estado.
“A cerveja da província não pode rivalizar ainda com a estrangeira, mas a sua qualidade já deixa um pouco a desejar, atendendo-se que é fabricada em um país próximo à linha (do Equador); entretanto, os seus fabricantes esperam dar-lhes todas as condições de superioridade”, registrava a comissão. O artigo foi reproduzido no primeiro volume do livro “O Diario de Pernambuco e a história social do Nordeste (1840-1889)”, organizado por José Antonio Gonsalves de Mello e lançado em 1975, por ocasião dos 150 anos de fundação do jornal.
Além dos vinhos portugueses e das aguardentes, os fabricantes ainda disputavam mercado com cinco diferentes tipos de vinhos de caju, além dos licores, tendo o jenipapo como carro-chefe.
Em 21 de fevereiro de 1873, o Diario publicou outro relatório sobre a cerveja, desta vez da Comissão Diretora da Exposição Provincial realizada entre os dias 20 e 22 de outubro de 1872, que foi visitada por 28.948 pessoas. Somente o empreendimento de Leiden é citado, já com o nome de Imperial Fábrica de Cerveja, estabelecida na Rua do Sebo (atual Barão de São Borja), número 35. Produzia dois tipos de cerveja (branca e preta), e mais limonada e água gasosa, além de bitter aromático.
“As condições não permitem, por ora, obter as nossas fábricas de cerveja um produto rival do que importamos do estrangeiro. É fato que entre nós traduz apenas a reprodução do que se observa em todos os países intertropicais. Sobretudo a variação brusca de temperatura perturba a fermentação, que, como sabemos, é a operação essencial do fabrico. E não admira que isto se dê no Brasil, quando na Europa a cerveja ressente-se muito da simples mudança atmosférica. Releva notar ainda que só empregamos o lúpulo meses depois de colhido e quando este tem perdido parte do seu perfume. Faltam-nos cavas onde se possa conservar a cerveja em uma temperatura fresca, e é impossível empregar por ora o gelo para obter-se uma fermentação mais prolongada. Cercada de tantas contrariedades no fabrico, a cerveja nacional não pode ser ainda examinada sob o ponto de vista de um produto perfeito”, registra o relatório.
A fábrica de Leiden poderia fornecer até três mil garrafas por dia, mas a média girava em torno de mil. O preço da garrafa era de 240 réis. Cervejas inglesas (em barris) e alemãs (em garrafas) competiam pela sempre crescente sede do pernambucano pela bebida.
Segundo Gilberto Freyre, no seu livro “Nós e a Europa Germânica: em torno de alguns aspectos das relações do Brasil com a cultura germânica no decorrer do século XIX”, lançado pela editora Grifo em 1971, Leiden teria sido atá agraciado com a Ordem da Rosa pelo imperador Dom Pedro II pelo fato de ter sido o fundador da primeira fábrica de cerveja no Brasil no ano de 1842 e pelo desenvolvimento que deu a essa indústria tanto na Corte como em Pernambuco.
O sociólogo cita o Diario de Pernambuco de 22 de dezembro de 1869, mas não há nenhum registro sobre o prussiano nesta edição. O decreto teria sido assinado no dia 10 de dezembro. Na internet, em sites sobre as condecorações do Império, não consta o nome de Leiden.
Com ou sem honraria imperial, a fábrica de Leiden no Recife era um sucesso. O local tornou-se também um ponto de encontro, com espaço para espaço para piqueniques, mesas de bilhar e de cartas, área para apresentações artísticas e até jogos de críquete.
Em 12 de agosto de 1869, o Diario trouxe anúncio da fábrica de Leiden com o brasão do império e um slogan que representaria bem a forma como os recifenses se viam em relação ao mundo: “a melhor cerveja nacional do Brasil e sobretudo de Pernambuco”. Taí uma boa sugestão para os novos fabricantes.