Em Foco 26.07

Deficiência em obras da Olimpíada do Rio põem em evidência a qualidade de obras e produtos no país.

Vandeck Santiago (texto)
Ari Versiani/AFP (foto)

Por que no Brasil nós temos dificuldades em fazer trabalhos e serviços bem feitos – aqueles com bom acabamento, durabilidade, qualidade? Os problemas podem ser constatados em uma roupa que desbota após poucas lavagens, numa obra que desaba poucos dias após inaugurada, em um conserto que só fica consertado pela metade – ou numa série de exemplos que poderia enumerar aqui até a última linha desse texto.
Levantamos esta reflexão a partir dos acontecimentos da Olimpíada no Rio. Primeiro, em 21 de abril passado, tivemos o desabamento de um trecho de 20 metros de ciclovia inaugurada há apenas três meses; segundo, a Vila Olímpica foi inaugurada domingo e a primeira delegação a chegar ao local (a da Austrália) recusou-se a ficar lá, considerando que o espaço não tinha condições de receber os atletas. Havia problemas no fornecimento de água, gás e eletricidade, além de muita sujeira nas instalações. E estamos falando de uma olimpíada, o maior evento do esporte mundial.
Antes, façamos as ressalvas necessárias: 1º) a de que não é uma raridade que a estrutura de um grande evento do esporte apresente problemas nos seus primeiros momentos; 2º) ao afirmar que “temos dificuldades em fazer trabalhos bem feitos” não queremos dizer que todos os trabalhos feitos aqui são de má qualidade, nem muito menos que isso aconteça apenas no Brasil.
Mas uma e outra ressalva não eliminam o fato de que o trabalho mal feito é uma característica que em nosso cotidiano encontramos com mais frequência do que o bem feito. E isso necessariamente não tem a ver com o preço pago – às vezes você paga caro por algo e a qualidade passa longe do tamanho do preço.
Não é problema que venha de agora. Em 1839 desembarcaram no Recife 195 operários alemães (pedreiros, carpinteiros, marceneiros…) contratados pelo então presidente da província de Pernambuco, Francisco do Rego Barros, que mais tarde se tornaria o Conde da Boa Vista, hoje nome de uma das nossas principais avenidas centrais. Empenhado em realizar uma série de grandes obras em Pernambuco (o Teatro de Santa Isabel, projetado por um engenheiro francês, Louis Léger Vauthier, é dessa época), Francisco do Rego Barros precisou importar mão de obra qualificada para os trabalhos. Entre outras incumbências, os operários importados deveriam treinar trabalhadores locais.
Nesse caso é até compreensível, porque estávamos numa fase de transição para o trabalho assalariado. Hoje a situação é diferente, mas continuamos a ter em muitos setores mão de obra sem a qualificação necessária. Esse é um dos pontos que explicam algumas de nossas deficiências em relação à qualidade do trabalho e dos serviços, mas obviamente não o único.
Se vivo estivesse, Gilberto Freyre talvez pudesse nos dar uma visão mais elaborada da questão. Na ausência dele, e sem a petulância de querer transformar o comentário de um observador em uma opinião científica, podemos nos atrever a vislumbrar outros pontos. Tais como: não temos aqui uma tradição histórica de empenho em fazer o trabalho, ou prestar o serviço, bem feito, com qualidade acima da média; não é comum, na maioria das empresas, a busca por um padrão de excelência; as oportunidades de aprimoramento são escassas, e mais escassos ainda os que se interessam por elas. Não se valoriza o trabalho como coisa em si, como um ente acima de todos nós, que merece ser cultivado como algo que faça parte do que nós somos, e não como uma distração. Talvez por isso estamos todos, enquanto sociedade, acostumados a aceitar o trabalho e o serviço de qualidade “mais ou menos”, ou até de baixa qualidade. Não exigimos, não cobramos (há exceções, mas é da média do comportamento que estamos falando).
Acrescente-se o fato de que no meio desse processo ainda tem os aproveitadores – e aí não é dos trabalho que estamos falando, mas do capital. O dos empresários que utilizam em seus produtos material de baixa qualidade, que não se incomodam em passar como durável o que sabem ser descartável, que não se importam em lesar seus clientes.
É como parte de tudo isso que você compra uma roupa e ela logo se descostura; adquire um objeto e ele vem com defeito; vai assistir a um filme e ele começa sem som, e se não sair alguém da sala para reclamar o responsável pela projeção não percebe; contrata alguém para um trabalho que é para demorar um mês e ao fim de três a obra ainda não está pronta; sai para andar numa ciclovia recém-inaugurada e ela desaba…