Brigas entre gangues de torcidas rivais deixam a cidade refém da violência e da destruição.
Silvia Bessa (texto)
Reprodução da internet (imagem)
Dona Maria das Dores Alves, 56 anos, apressava-se no final da tarde do domingo quando saía de um supermercado no bairro de Boa Viagem, no Recife. Não só porque queria ver o neto recém-nascido Cauã, que o esperava no bairro do Jordão. “O senhor acha que o jogo do Santa Cruz e Sport acabou?”, perguntava a um e a outro, referindo-se à partida do Campeonato Brasileiro. Atrasada quinze minutos do horário para o qual havia prometido retornar, a filha Ana Paula insistia com três mensagens de celular sequenciadas recomendando que a mãe tivesse cuidado no trajeto. “A coisa está séria. Ana Paula ouviu falar que eles estão brigando por toda parte”.
Eles – no linguajar de dona Maria – eram os torcedores ou, em específico, torcedores integrantes de torcidas organizadas. As informações desencontradas circulavam pelo Jordão, localizado na Zona Sul da capital pernambucana, e se estendiam com pressa por bairros da Zona Norte. “Cuidado porque o jogo hoje é ali na Ilha do Retiro, então a Avenida Agamenon Magalhães fica mais perigosa”, ouvi. “A Avenida Beberibe está tranquila ou tem confusão também?”, questionou um rapaz de 30 anos, recém-chegado de Brasília. “Em dia de jogo, meu filho, é melhor ficar em casa. Evite sair com sua namorada”, recomendou uma avó por telefone a um conhecido.
“Ligue para sua irmã, que está pelo lado da Caxangá, para ver onde ela está mesmo. Diga a ela que tenha cuidado. Ouvimos falar que mataram dois por causa de futebol”, disse dona Marta Silva, mulher de meia idade, dois filhos adultos e que mora na Tamarineira. Todas frases citadas acima são reais.
Não houve mortes. Domingo foi dia de muita violência. Antes mesmo da partida um torcedor ficou gravemente ferido no bairro do Cordeiro, Zona Oeste do Recife, após sofrer espancamento durante uma briga de torcidas. Um vídeo que circulou na internet mostra a cena do cerco feito por supostos torcedores com camisa do Sport a um suposto torcedor com camisa do Santa Cruz. São mais de vinte pessoas na mesma cena. Uma pá, pedaços de madeira e pedras teriam sido usados na agressão. O rapaz, um homem de 28 anos, identificado como presidente da Inferno Coral, foi internado no Hospital Getúlio Vargas com traumatismo craniano. Teria levado pancadas na cabeça, tórax, rosto e abdômen. Saiu sem alta médica nesta segunda-feira.
Duas pessoas foram presas: em flagrante, um homem foi encaminhado ao Centro de Triagem (Cotel) e autuado por tentativa de homicídio e corrupção de menores. Um adolescente de 17 anos foi levado ao Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA). Seria a primeira vez? Não. Só este ano, em maio e junho aqui no Recife, foram registrados episódios semelhantes.
Quando não se registra a fatalidade consumada, existe o medo. O medo de violência, de arrastões ou de badernas há muito deixou de ser assunto restrito às páginas esportivas. Se já era grave porque ele não deveria existir em ambiente algum, ficou pior. Se era problema de clube de futebol, de quem gosta de ir a campo vibrar com um esporte no final de semana, deixou de ser.
As brigas entre torcidas rivais chegaram à senhora que gosta de ir à Igreja e nunca sequer pisou numa arquibancada. Adentrou na rotina do domingo, aquele dia que antes era sagrado para ela. As promessas de que tudo será resolvido e combatido, ouviremos. O que se quer saber, contudo, é até quando será preciso conferir o calendário esportivo para se andar na cidade sem o temor das gangues que circulam livremente? Porque até agora autoridade nenhuma traz essa garantia.