24-09

A urgência dos governos é diferente daquela da lapidação poética, mas nos dois casos um pouco de paciência faz bem.

Vandeck Santiago (texto)
Andressa Anholete/AFP (foto)

O governo Michel Temer está com pressa, e é natural que esteja, dadas as condições em que ele assumiu o cargo, faltando pouco mais de dois anos até o final do mandato. Mas na ânsia de mostrar logo a que veio, de apresentar planos que o diferenciem da administração anterior, de transformar as generalidades do discurso em algo concreto, o seu governo está enveredando por um caminho perigoso – o da “pressa que aniquila o verso”, como dizia o poeta pernambucano Edson Régis. Numa transposição da poesia para a administração, seria algo assim como estragar o produto ao conclui-lo antes de estar pronto.
No caso da poesia, o dano do açodamento cai sobre a cabeça do candidato a poeta. Às vezes, também sobre a cabeça de quem o cita – os versos mencionados acima, por exemplo, são frequente e erroneamente atribuídos a outro poeta pernambucano, Carlos Pena Filho. Mas poeta com poeta se entendem e ninguém sofre com isso. No caso de um governo é diferente: os danos caem sobre a cabeça de todos nós.
Nesses anos todos acompanhando a política, uma coisa que aprendi é que raramente se percebe antecipadamente se um projeto X ou Y vai dar certo ou errado. Quem é da situação, diz que vai dar certo; quem é da oposição, que vai dar errado. Quando o então prefeito do Recife Gustavo Krause (1979-1982) instituiu os corredores exclusivos de ônibus na Avenida Caxangá recebeu uma chuva de críticas: iria causar engarrafamentos, quebrar o comércio ao longo da avenida, uma vez que os veículos não parariam mais junto das calçadas etc. Quando o então prefeito João Paulo, em sua primeira gestão (2001-2004), decidiu fazer a inversão do trânsito em Boa Viagem, também foi alvo de uma série de críticas: vai causar mais engarrafamento, é uma medida cosmética etc. Citos esses dois exemplos prosaicos, de nossa aldeia, porque sou testemunha ocular das duas providências, e também do resultado bem-sucedido de ambas.
Uma coisa, porém, é o ceticismo em relação a um projeto, as críticas e defesas que provocam. Outra é quando fica claro que o gestor está tentando colocar em prática projetos feitos a toque de caixa, sem uma ampla discussão, sem o contraditório e aquelas coisas todas que podem aprimorá-lo antes de vir à luz. É isso que está acontecendo com o governo Temer. A pressa é tanta que se tornou comum anunciar uma coisa hoje e amanhã dizer que não é bem assim, e novos remendos serem acrescentados ao longo dos dias.
Essa característica gera dois efeitos infelizes e uma possibilidade negativa. Os efeitos são: primeiro, lança temores (em alguns casos, pânico, dependendo do alcance das medidas) nos setores que serão atingidos caso a proposta seja concretizada; segundo, drena a credibilidade das medidas. Passa a todos a imagem de que tudo aquilo foi elaborado sem o cuidado necessário. Favorece a mobilização contrária.
Já a possibilidade negativa é a de um mesmo projeto misturar coisas boas com ruins. Dito de outra forma: por falta de maturação, de mais discussão, medidas consistentes se cruzam com outras inconsistentes e o resultado final acaba contaminando o projeto inteiro.
A urgência da administração é diferente daquela da lapidação do verso. Em um e outro caso, no entanto, um pouco de paciência pode fazer a diferença entre produzir algo que mais tarde todos lembrarão como positivo (um verso, uma obra) e algo que, de tão frágil, não terá direito à posteridade.