Há 20 anos, a SBPC já alertava para o risco do país não estar pronto para o envelhecimento da população.
Rosane Oliveira (texto)
Greg (arte)
Quando a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ocorreu em BH pela última vez, em 1997, na Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG), sob o tema Ciência hoje, Brasil amanhã, sociólogos, demógrafos e pesquisadores alertavam para uma questão. O Brasil, país com maioria de jovens e crianças e que sofria com o drama dos menores de rua, poderia em algumas décadas enfrentar problema cronologicamente oposto, mas igualmente cruel, de passar a ter idosos abandonados pelos cantos das cidades, os velhinhos de rua. Motivo: o envelhecimento progressivo da população, sem a criação de condições adequadas de renda, moradia, atendimento de saúde e demais necessidades desse aumentado contingente de habitantes mais velhos.
A discussão e a reflexão propostas na SBPC há quase 20 anos são cada vez mais pertinentes, sobretudo quando se colocam em pauta dois temas importantíssimos para a sociedade brasileira: a reforma da Previdência e a questão da desaposentação. Enquanto o processo de envelhecimento da população segue em curso, a fatia mais idosa dela vai se deparando com duros percalços. A grande maioria dos aposentados do setor privado pelo INSS ganha apenas um salário mínimo (R$ 880), que, convenhamos, é bem pouco para dar conta de suas necessidades.
Isso explica por que, desde 2011, conforme dados do IBGE, vem crescendo e já chega a mais de um quarto do total, a parcela de aposentados que continua a trabalhar para melhorar sua renda. Essa busca por melhor condição de vida por meio de um esforço extra esbarra, porém, em outra estatística. Segundo o Ipea, a faixa acima dos 59 anos é aquela em que a taxa de desemprego mais avança, tendo crescido 44% no segundo trimestre do ano em relação aos três meses anteriores.
Se olhando esses dados quem está a caminho de se tornar inativo já tinha motivos para se preocupar, tanto mais quando o governo prepara uma reforma da Previdência que deve endurecer as regras para se aposentar pelo INSS. A justificativa é que a proporção de gente trabalhando fica cada vez menor em relação aos que já pararam, gerando rombo cada vez maior no sistema. E olhe que, mesmo quem contribui toda uma vida de trabalho pelo teto na iniciativa privada, passa a receber como inativo pouco mais de R$ 5 mil. Também não se costumam considerar a má gestão dos recursos da Previdência e o uso de parte deles em outros fins para explicar o rombo. Para alguns estudiosos respeitados, o sistema previdenciário brasileiro não é deficitário e, sim, mal administrado.
Quem mais aumenta o buraco, aliás, é o setor público, no qual várias categorias se aposentam com salário integral, que pode superar os R$ 30 mil. Sem falar em mordomias como a dos deputados, que podem ter tal benefício com apenas oito anos de trabalho (dois mandatos). O presidente Temer promete propor uma reforma que iguale os regimes de aposentadoria dos setores público e privado, e que enquadre também os políticos. É o que se espera.
Quanto à desaposentação, parece lógico que, se a pessoa se aposentou e continuou a trabalhar e a contribuir para a Previdência, teria em tese direito depois de certo tempo a uma revisão de seu benefício. Não fosse assim, a contribuição a mais seria simplesmente engolida pelo sistema, sem contrapartida. Muitos têm conseguido tal revisão na Justiça. A palavra final sobre a legalidade da desaposentação será dada pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento marcado para o dia 26.
O julgamento não se dará, porém, apenas à luz do direito, mas também da política, traduzida por forte pressão do governo contra o mecanismo. A justificativa, de novo, é o rombo. E como quem sempre paga pelos buracos nas finanças públicas é o cidadão-consumidor-contribuinte, seja ele da ativa ou aposentado, convém aos velhinhos pôr as barbas de molho. E a se virar como puderem para ter um fim de vida com um mínimo de dignidade.