Apesar da evolução dos meios de informação, as sociedades continuam vulneráveis à desinformação dirigida.
Vandeck Santiago (texto)
Playarte (foto)
Faz 10 anos que Thiago Alves Pereira realiza trabalhos voluntários em asilos, festas infantis em bairros pobres, creches, escolas e hospitais. Nesses eventos ele é conhecido como “Thiago Sorrisão”. É pouco provável que alguém com este perfil seja parado pela polícia para dar informações sobre si e, depois, agredido por passageiros dentro de um ônibus.
Mas aconteceu. O ‘motivo’ da confusão foi que “Thiago Sorrisão” estava fantasiado de palhaço quando se dirigia para um dos atos do voluntariado. Policiais o abordaram na parada, e perguntaram para onde estava indo. Ele explicou o que fazia e após alguns minutos de conversa os policiais foram embora. O ônibus que ele estava esperando chegou ainda a tempo de os passageiros presenciarem a cena. “Quando entrei no BRT, muitas pessoas começaram a me olhar de forma estranha; afinal, eu estava vestido de palhaço e tinha policiais conversando comigo. Vi que as pessoas estavam com medo, então, procurei um assento que não fosse atrapalhar ninguém”, conta Thiago, que tem 31 anos, e é estudante de direito. No trajeto ele foi hostilizado por quatro passageiros, e acabou sendo agredido por um deles.
Fim da história.
Se a paciência do leitor acompanhou este relato até aqui deve ter percebido dois itens importantes: o primeiro é que a confusão tem origem na onda de histórias sobre “palhaços assassinos”, gente fantasiada que sai assustando as pessoas; o segundo é que em nenhum momento da narrativa eu mencionei a cidade em que ocorreu o episódio com “Thiago Sorrisão”. Foi uma omissão deliberada, para mostrar uma das formas comuns hoje em dia de captar atenção repassando a notícia como se o fato tivesse ocorrido próximo ao leitor. Quem lê só o título e as linhas que vêm logo abaixo, resumindo o fato, pode achar que tudo ocorreu nas imediações em que ele, leitor, vive. E pode sair repassando a informação da forma que a recebeu, sem menção ao local.
É assim que se constrói o medo, as paranoias, as histórias metade verdade e metade mentira, ou completamente mentirosas.
Esse caso do “Thiago Sorrisão” aconteceu em Uberaba (MG), sexta-feira passada, mas o redator ganhará mais leitura se não mencionar logo o nome da cidade. Você lê a notícia que um homem vestido de Batman está “combatendo palhaços assassinos”. Depois lê a notícia toda para descobrir que isso foi em Cumbria, do qual nunca ouviu falar, no norte da Inglaterra. E você fica sem sequer saber se Cumbria é uma cidade ou um condado ou uma comunidade específica. Mas, não importa: a essa altura a informação de que um Batman está caçando palhaços assassinos já está correndo o mundo…
Os muitos anos dentro de uma redação me levaram a desconfiar de notícias ocorridas em lugares pouco conhecidos, com fontes vagas. As histórias sobre os “palhaços assassinos” teria (desculpem o condicional; não há como ser de outra forma…) começado em Greenville, Carolina do Sul, em agosto passado, dizem as notícias. Depois, relatos de histórias semelhantes surgiram também no Canadá, Grã-Bretanha e Nova Zelândia. Antes disso, porém, em 2014, houve denúncias de ocorrências na França. E o personagem “palhaço-assustador” é uma constante em filmes – como o da imagem que ilustra esta página, de 2010. Até agora, nennhum caso confirmado no Brasil, porém muita boataria, espalhada pela redes sociais.
A desinformação praticada de forma consciente não é um fenômeno surgido com a internet. Nos anos 1960, auge da Guerra Fria, foi utilizada por agências dos Estados Unidos e Inglaterra, para citar apenas dois casos. Os britânicos contavam com uma unidade ligada ao Ministério das Relações Exteriores, o IRD (Information Research Department), encarregado de fazer uma “propaganda cinza, baseada em informações tendenciosas e sem determinar a origem, com o objetivo de atrair a atenção ou confundir o público-alvo”, como diz Geraldo Cantarino, no livro Segredos da Propaganda Anticomunista (Mauad, 2001). O IRD atuou inclusive em Pernambuco, contra Miguel Arraes, antes do golpe de 1964.
Fenômenos como este das histórias dos “palhaços assassinos” não têm o mesmo perfil daquelas histórias da época da Guerra Fria, nem são patrocinados por governos para impor sua ideologia. Mas são emblemáticos como mostra de que, por mais meios de informação que existam hoje ao nosso dispor, as sociedades continuam vulneráveis à desinformação dirigida e agindo sob influência de informações inverídicas fantasiadas de verdadeiras.