Fenômeno do zika e microcefalia ainda desafiam medicina, autoridades e estruturas de governos.
Silvia Bessa (texto)
Rafael Martins (foto)
Ostentando um rosa bebê, vestido rodado e coroa na cabeça, Luana foi a princesa do dia de ontem. Reinou desde as 6h da manhã, quando ganhou a primeira festinha da família. Jemima, o pai Laurinaldo Júnior e o irmão Lucas mal acordaram e já estavam entoando o “parabéns pra você” para a menininha que, valente, tem superado dificuldades e enfrentado a má-formação com a qual nasceu e a tornou uma vítima do zika vírus e da microcefalia ainda no útero. “Ela gosta de música. Então, Luana riu e depois ganhou um cheiro do irmão”, contou a mãe, a professora Jemima Pessoa. À noite, estava linda diante do bolo estilo realeza, cercada de parentes, gente amiga e apoiadores, posando nas mil sessões de fotos típicas da data. Luana Vitória completou um ano de vida nesta quarta-feira, 19 de outubro. Foi quando simbolicamente fez jus ao nome composto que ganhou.
“Passamos por muita coisa, mas a família superou tudo com amor, com alegria, dedicação, força dos parentes, união, com oração. Foi um conjunto de fatores que nos ajudaram a chegar onde chegamos”, disse-me a mãe, enquanto dava uma pausa na recepção dos seus convidados mais íntimos. Luana nasceu com 27 cm de perímetro cefálico, tamanho bem menor que o esperado para um recém-nascido. O padrão para crianças com peso de acordo com a idade é uma medida acima de 32 cm. No caso dela, a má-formação veio acompanhada por uma artrogripose, mal que causa deformações nos pés e mãos.
Luana não é mais uma das 2.033 crianças diagnosticadas com microcefalia ou alterações ligadas ao sistema nervoso central com infecção congênita causada pelo zika. Tampouco ilustra com impessoalidade as estatísticas dos 3.055 casos ainda investigados desde outubro do ano passado, mês a partir do qual os estudos foram concentrados. A pernambucana Luana é um dos bebês-referência quando se fala em Pernambuco do zika vírus e sua relação com a microcefalia, uma má-formação que afeta o desenvolvimento da criança. A família é das mais assíduas em centros de tratamentos do estado e trata com naturalidade e entrega a rotina exigida para o bem-estar de Luana. Talvez por isso, mãe e pai costumam dar entrevistas locais, nacionais e internacionais sem reservas.
O mês de outubro, um ano após o governo federal ser comunicado do sequenciamento fora do padrão da quantidade de casos (o que ocorreu dia 22 de outubro de 2015), tem sido movimentado para Luana. A bebê tem participado de festinhas dos amigos que, como ela, estão em tratamento para um melhor convívio com a microcefalia. Artur, Matheus, Isadora, Mauro, Juan…Aos poucos são essas crianças que “estão escrevendo a história da doença”, como bem definiu a neuropediatra Vanessa Van der Linden.
Um ano depois do comunicado oficial, zika e microcefalia permanecem como um grande desafio para a medicina, autoridades e burocracia da saúde brasileira. Ainda que o quadro seja considerado situação de urgência de saúde pública nacional, tendo em vista a comprovada relação da infecção pelo vírus transmitido pelo Aedes aegypti, o Brasil sequer comprou testes do tipo sorológico que confirmam o zika no corpo do ser humano.
Existem testes rápidos e o Elisa (do inglês Enzyme-Linked Immunosorbent Assay, ou ensaio de imunoabsorção), da Bahiafarma e da Euroimmun. Os dois já foram avaliados pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), considerados com bons resultados em termos de precisão, tanto em sensibilidade quanto especificidade, e passaram pela avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O SUS só disponibiliza hoje testes que identificam anticorpos e não o vírus.
O Ministério da Saúde informa que está viabilizando a compra. Por enquanto, apenas promessa. Assim, os exames continuam sem ser disponibilizados. Na prática, com o exame sorológico poderia agilizar o diagnóstico de mais de três mil casos de bebês notificados para microcefalia e oferecer às mulheres informação precisa sobre se possuem ou não o zika, o que lhes daria mais segurança para engravidar. Por enquanto, quem depende do Sistema Único de Saúde continua refém de um vírus desconhecido e da falta de estrutura de um país para lidar com suas questões mais emergenciais.
Para Luana, todas as comemorações. Para o Brasil, nenhuma.