01-11

 

Por que candidatos como João Dória e Marcelo Crivella jamais seriam eleitos na capital pernambucana.

Vandeck Santiago (texto)
Andressa Anholete/AFP (foto)

Não é que o Recife seja uma cidade melhor ou pior do que qualquer outra, mas a capital pernambucana tem uma tradição política que lhe dá singularidade em meio a um cenário nacionalmente padronizado. No Recife um candidato que dissesse já ter “vomitado” ao sentir “cheiro de pobre” jamais se elegeria prefeito – mesmo deslocada um pouco do contexto (foi em relação a uma ocasião específica, em que colocou no seu carro um pobre “muito sujo”), o fato é que Rafael Greca a pronunciou, o que não o impediu se ser eleito prefeito de Curitiba. No Recife, um candidato com o perfil do João Dória ou do Marcello Crivella também jamais seria eleito – ouso dizer que aqui não seriam sequer candidatos competitivos. Não quero com isso menosprezar Curitiba, São Paulo ou Rio, cidades culturalmente ricas e economicamente desenvolvidas – elas têm muito mais motivos para causar orgulho do que o contrário. Também não quero depreciar o Greca, Dória ou Crivella – o voto de quem os elegeu tem tanto valor quanto o meu, e merece respeito independentemente do resultado da eleição. 

OK, tudo bem, mas preciso dizer que aqui esse perfil não prospera.
Faço o preâmbulo para destacar que, enquanto em diversas outras grandes cidades a disputa pela prefeitura foi tomada por uma forte onda conservadora, propiciando a ascensão e até a vitória de outsiders, aqui o pleito foi definido no campo da centro-esquerda – ali onde enquadram-se Geraldo Julio, do PSB, e João Paulo, do PT, dois partidos que histórica e tradicionalmente fazem parte desse terreno. É conhecida de todos a rivalidade política e eleitoral que se estabeleceu entre as duas legendas a partir das eleições do Recife em 2012, que culminaram na vitória do PSB, prolongaram-se na disputa presidencial de 2014 e continuam até hoje. Mas, quer queiram ou não seus integrantes, os dois partidos movem-se em territórios próximos um do outro. O vice de Geraldo Julio, por exemplo, é Luciano Siqueira, uma das lideranças estaduais do PCdoB, partido que foi um dos aliados mais fiéis do governo federal petista.
É significativo que, nas últimas cinco eleições para prefeito do Recife, a vitória coube a candidatos de centro-esquerda – e nas últimas quatro os seus adversários ideológicos não conseguiram sequer emplacar um candidato competitivo; quero dizer, com chances de entrar para ganhar. Sim, claro; em meio às disputas, tem as alianças com diversas forças. Porém, como já dizia Miguel Arraes, a questão não é fazer alianças; a questão é quem terá a hegemonia do grupo. No caso do Recife, é do PSB.
Com a situação instável do jeito que está, não se pode descartar a hipótese de um rearranjo de forças no estado e no país no futuro. Aliados de hoje podem tornar-se adversários amanhã, e vice-versa.
O PT não pagou todo o preço pelo desgaste que está sofrendo – em 2018 talvez ainda tenha faturas a pagar. Ao que tudo indica, o antipetismo continuará forte daqui a dois anos, característica que tende a afastar possíveis aliados, embora exceções sempre possam acontecer, dependendo das circunstâncias. É certo que o partido tem sido alvo de uma clara seletividade acusatória – no entanto, é ingenuidade atribuir todos os malfeitos que têm sido divulgados a uma perseguição antipetista.
Temos uma onda conservadora que começou na eleição legislativa de 2014 e que deve manter-se em alta em 2018, na eleição presidencial e pelos governos dos estados. Temos um grupo mais à esquerda, do qual o PSol é o principal representante, que começa a ascender. E temos, claro, o Lula, se ele conseguir livrar-se das acusações da Lava-Jato e estiver disposto a embarcar numa campanha presidencial. Nesse emaranhado todo há um vácuo no qual o discurso de centro-esquerda pode prosperar.
O Recife hoje parece uma ilha em relação a outras partes do país. Conseguiu resistir ao tsunami conservador. Do que acontece aqui, pode-se depreender pelo menos um raciocínio capaz de ser estendido a disputas nacionais: o de que seguir a manada não é a única alternativa.