Mesmo com as tentações da Black Friday, muita gente prefere investir em bem-estar, mudando os hábitos.
Luce Pereira (texto)
Jarbas/DP (arte)
Não resta dúvida: a maioria das pessoas mata e morre mesmo por uma oportunidade de comprar a preços muito convidativos. Basta ver a loucura em que se transformam shoppings centers e outros centros de compra quando chega a famigerada Black Friday, uma invenção dos norte-americanos para evidenciar o que parece ser a maior marca do país – o consumismo. Aqui, gora que a crise espantou consumidores mais precavidos, era de se esperar que a edição 2016 aparecesse, de fato, com ofertas reais, diferentemente de outros anos quando havia sérias suspeitas acerca dos descontos. Seduzir a clientela, fortalecer os estoques para o Natal e sonhar com um ano menos espinhoso animou os lojistas a abrir mão da gorda margem de lucro com a qual costumam trabalhar o ano inteiro. Um pequeno exemplo disso eram os preços praticados por uma grande distribuidora de bebidas e alimentos, na Avenida Abdias de Carvalho, que já na quinta-feira funcionava em clima de Black Friday, com vinhos importados oferecidos a preços para lá de tentadores. Quem resistiria às marcas preferidas com descontos que poderiam chegar até 70%? A resposta, ao contrário do que se pensa, é “muita gente”.
Não são poucas as pessoas que decidiram torcer o nariz para os apelos fáceis do consumo em nome daquilo que realmente as deixaria felizes, sobretudo num dia como a tal sexta-feira, quando o bom senso dá lugar ao desejo desenfreado de possuir, mesmo aqueles itens sem os quais se viveria muito bem, obrigada. Questão de se reeducar para ter outra relação com a publicidade, cada vez mais eficiente na arte de seduzir, e colocar em prática o que, além de científico, é óbvio: não somos mais felizes pelo número de bens materiais que adquirimos, mas quando desfrutamos de experiências. Ou seja, o que realmente causa a sensação de alegria e bem-estar encontra-se além de todas estas coisas do universo palpável.
Para a psicologia, uma reação extremamente previsível é que, diante de perdas e outros traumas, os indivíduos tendam a suprir as lacunas emocionais comprando. Mas estas armadilhas são mantidas à distância por quem descobre no prazer e não neste tipo compensação o caminho para a consciência de uma vida mais saudável. Não há nisto nenhuma fórmula mágica, apenas a disposição para reinventar o que sempre pareceu pouco vantajoso. Na medida em que comprar objetos pode produzir uma breve satisfação, apostar em si mesmo pode render um estilo de vida contemporâneo no melhor dos sentidos. Por exemplo, pensar em ter um instrumento musical para desenvolver as habilidades cognitivas, trocar o carro ou o transporte público pela bicicleta, viajar mais, fazer passeios por lugares aprazíveis da cidade, ler sempre que possível. A lista de sugestões não tem fim, mas nada convence melhor do que a ideia de que as experiências são à prova de qualquer coisa, inclusive do tempo – seguem enriquecendo pela vida afora e não se transformam em inutilidade ou motivo para estresse. Muito pelo contrário.
Num futuro – espera-se que nem tão distante assim – talvez a própria Black Friday seja reinventada para atender a consumidores conscientes de que viver é melhor do que possuir. O exército dos que professam a fé em que “mais é menos” só aumenta, embora o que tenha maior evidência, em função dos interesses da publicidade, seja o contrário. Ao lado de um mundo que avança desprezando os valores pessoais e espirituais, existe outro desejando que o planeta seja composto por pessoas mais felizes do que saciadas materialmente. Eu, cá com meus botões, aposto no primeiro.