30-11

 

Queda do avião que levava time catarinense à Colômbia somou-se às perturbações políticas e o país sofreu.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

Planejamento é necessário, facilita a vida, orienta, permite agir com uma margem maior de segurança. Mas, ao fazê-lo, as pessoas pouco levam em conta que nem sempre a vida acontece em linha reta, porque uma ordem invisível pode se impor e mudar tudo – a direção e até os destinos, de forma definitiva, impedindo que se vejam as luzes do próximo Natal e de todos os outros. Às vezes, uma montanha surge à frente, uma tempestade aparece no trajeto, mas a verdade é que, para a morte, qualquer desculpa serve. E ela não foi nada sutil com Santa Catarina e com os brasileiros, de um modo geral, ao levar embora o time da Chapecoense, uma equipe muito jovem, que iria disputar, ontem, sua primeira partida internacional e a final da Sulamericana contra o Atlético Nacional de Medelín, na cidade colombiana de mesmo nome. Não faltava muito para o pouso, mas mesmo este detalhe, numa tragédia tão grande assim, só diz o quanto a morte pode, também, brincar de ser cruel até o último minuto.
É duríssimo para o país e as famílias dos mortos (apenas seis das 77 pessoas que viajavam ainda resistiam, até a noite desta terça-feira), mesmo com o mundo – e não apenas o do futebol – dando seguidas demonstrações de solidariedade. Num dia politicamente tão conturbado para o Brasil como o de ontem, a dor dos mais próximos aos mortos se misturou à dor cotidiana do povo brasileiro diante das incertezas sobre o futuro – e todos nós choramos. Quando acontece de ser um choro assim, coletivo, significa que a desesperança atingiu o ponto mais alto da curva e é necessária uma reação que extrapole o sofrer puro e simples. É preciso atitude.
Por enquanto – e lamentavelmente – imagina-se apenas o que poderia tornar menos catastrófica a perda sofrida pelo clube catarinense. Ontem, por causa da enorme comoção, o assunto dominou as redes sociais e delas brotou uma série de propostas para ajudar a Chapecoense a renascer. Apenas um exemplo: as instâncias máximas do futebol no país e os grandes clubes poderiam adicionar aos previsíveis minutos de silêncio, antes de partidas ou eventos, contribuições financeiras à altura do seu patrimônio. E mesmo os jogos finais do Brasileirão poderiam ter renda revertida para a “Chape”, com os times jogando de uniformes nas cores do clube enlutado – uma equipe de verde, a outra de branco. O que não faltam, no fim das contas, são maneiras de estender, de fato, a mão.
O Atlético Nacional de Medellín, que disputaria o título, já encontrou o seu jeito de ser solidário diante da tragédia: através da conta que mantém no Twitter, disse ter enviado um pedido à Conmebol para declarar a “Chape” campeã do torneio. Mostrou-se, além disso, elegante ao afirmar: “De nossa parte, e para sempre, Chapecoense campeã da Copa Sul-Americana 2016”. Se assim for, quando este título chegar ao clube catarinense terá o mesmo efeito daquela cena que costumeiramente traduz a bravura nos filmes de guerra: os pertences do soldado morto sendo devolvidos à família. Não muda nada, mas que é bonito, é.
Sobre a tragédia que acaba de deixar impactado o mundo do futebol, sobretudo, os próximos lances são previsíveis – resgate dos corpos, anúncio de quantas e quais vítimas, traslado dos restos mortais e últimas homenagens, no Brasil. Mas, para um país que vive em luta para recobrar as próprias pernas, assistir a desfecho tão trágico de uma história que poderia realçar ainda mais as cores e a força do seu futebol significa baixar duas vezes a cabeça, admitir que não sabe exatamente para onde está indo. E quantos de nós aguentam mais ver a nação tão cabisbaixa, somando lutos e vergonhas? Achamos que aquele 7×1 para a Alemanha, na última Copa do Mundo, aqui, tinha sido o máximo de desconforto que poderíamos suportar, mas a realidade, como a morte, é expert em fazer gols muito mais dolorosos. Infelizmente, as duas têm entrado em campo juntas, para jogar contra mais de 206 milhões – e seguimos perdendo de goleada.