O terror do Estado Islâmico em Berlim e o assassinato do embaixador russo na Turquia marcam reta final.
Luce Pereira (texto)
Tobias Schwarz/AFP (foto)
Como milhões de pessoas ao redor do planeta, tenho acordado com uma frustração: o ano de 2016 ainda não acabou. Parece não ter fim. E o pior é que as tragédias mundo afora dão a impressão de que disputam para estabelecer qual consegue impactar mais. Algumas se arrastam a perder de vista, a exemplo da guerra em países árabes como a Síria, outras são forjadas silenciosamente e aqui e ali irrompem em certos lugares matando inocentes, como a que espalha o terror sobre a face da Terra. Pelo menos 12 pessoas na alemã Berlim não poderão mais ver as luzes do Natal, além do sofrimento impingido a mais 48 sobreviventes do ataque do Estado Islâmico a um mercado de produtos natalinos, na noite de segunda-feira. Não esquecendo que, no mesmo dia, o embaixador da Rússia na Turquia, Andrei Karlov, não conseguiu escapar de um atirador solitário quando participava de exposição dentro de uma galeria de arte de Ancara. De 22 anos, o homem, que fazia parte de um batalhão de polícia da capital, morreu gritando “não se esqueçam de Aleppo, não se esqueçam da Síria! A menos que todos nós estejamos seguros, vocês não sentirão segurança. Saiam, saiam! Todos aqueles responsáveis por essa opressão e tortura, pagarão por isso”. E tudo sem, claro, descer a detalhes sobre a guerra nossa de cada dia contra uma violência cada vez mais assustadora, que recrudesce com a falta de políticas públicas para combatê-la.
Percebe-se uma sensação de desgoverno e de selvageria no ar, como se, de repente, houvessem se perdido os códigos que permitem aos homens se reconhecerem como parte da mesma raça humana. É, de fato, assustador, porque os desequilíbrios alimentam a desesperança e ela acaba funcionando como combustível para uma energia de destruição. Embora não sejam claros os caminhos, a única certeza que milhões no mundo (assombrados pela violência extrema) têm é a da necessidade de interrupção deste ciclo. Poderíamos supor, a partir de um conceito do psicanalista Carl Gustav Jung que a capacidade de amar entrou em colapso, pois, segundo deduziu, “onde acaba o amor tem início o poder, a violência e o terror”. Assim sendo, ganha mais força a tese da não violência como arma contra tudo isto, mesmo a ideia ainda soando como algo romântico, sem ressonância no conjunto de possibilidades reais. Faço parte do pequeno número que acredita nas profundas transformações provocadas por gestos de humanidade, fraternidade, solidariedade e tudo o que signifique respeito pela vida. Notadamente porque quem precisa e deseja a paz é a maioria.
Há pouco tempo, tive o privilégio de conhecer algumas mudanças operadas em populações que são cotidianamente submetidas a um grande nível de estresse. Presidiários, inclusive. A violência encontra terreno extremamente fértil onde a aridez dos sentimentos predomina. Expostos, os indivíduos ficam propensos a dar as piores respostas em sociedade, o que inevitavelmente acaba produzindo relações adoecidas por maus-tratos recíprocos. O que vi, através do trabalho da ONG Arte de Viver, fundada pelo indiano Sri Sri Ravi Shankar, que esteve terça-feira no Recife, foram pessoas mais relaxadas e confiantes a partir de diálogos e técnicas de meditação e respiração. Ocorre que os próprios governos não se empenham em tornar esses benefícios parte de políticas públicas destinadas a deixar a violência ao menos em nível tolerável.
De acordo com o incensado filósofo Jean-Paul Sartre, “a violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”. Às vésperas do Natal, o sentimento se mostra praticamente este diante dos graves distúrbios que seguem ocorrendo no mundo. Lamentamos que 2016 pareça um ano interminável, pela sucessão de acontecimentos trágicos e notícias desalentadoras, mas 2017 não parecerá menos longo e sofrido se não começarmos a levar a sério o amor. Nada surgiu de mais milagroso e ele segue dando provas de que pode mesmo “mover montanhas”.