Livro chega quando perspectivas obscuras assombram novamente o desenvolvimento do Nordeste.
Vandeck Santiago (texto)
Juliana leitão (foto)
O escritor Mauro Mota cunhou nos anos 1950 uma definição para o Recife que explicava com perfeição a situação da cidade na época: “Metrópole de lotação esgotada”. Alvo de um intenso fluxo migratório, a capital pernambucana vira sua população crescer 50,6% no período 1940-1950, crescimento que se manteve constante entre 1950-1960, quando chegou a 51,9%. “Cidade cheia de desajustados que fogem das condições de vida miseráveis do interior para morrer no pé das pontes ou nos hospitais de caridade, à míngua de alimentação ou vitimados por moléstias carenciais”, dizia texto em jornal local.
Em julho de 1959, segundo estimativa do IBGE, o Recife possuía 765 mil habitantes. Anos antes um especialista de renome mundial em planejamento econômico e urbano, o padre dominicano francês Louis-Joseph Lebret, mais conhecido como padre Lebret, já fizera a advertência: se a população recifense chegar a um milhão de habitantes, “será uma catástrofe”.
O padre Lebret chegou ao Recife em 1954, e em 1955 publicou um livro clássico para o conhecimento do potencial econômico e social do estado e da região: Estudo sobre Desenvolvimento e Implantação de Indústrias, Interessando a Pernambuco e ao Nordeste. A obra estava esgotada, mas acaba de ter uma bem cuidada reedição, lançada pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), resultado de uma parceria da editora com a Ceplan (Consultoria Econômica e Planejamento).
Intitulado Diálogos com Lebret – 60 anos depois, o livro recém-lançado teve como organizadores Francisco Jatobá de Andrade e Tarcísio Patrício de Araújo. Além da íntegra do texto esgotado, traz prefácio de Roberto Cavalcanti de Albuquerque e ensaios de Teresa Sales (O Recife ao tempo do relatório do padre Lebret); Virgínia Pontual (Conceito e prática de planejamento urbano: contrapontos ao estudo de Lebret para Pernambuco); Tarcísio Patrício de Araújo e Roberto Alves de Lima (Desenvolvimento e recursos humanos em Lebret); Aldemir do Vale Sousa e Jorge Jatobá (Desenvolvimento industrial de Pernambuco: uma análise a partir das contribuições de Lebret); Leonardo Guimarães Neto e Valdeci Monteiro dos Santos (Fragilidades da economia de Pernambuco e do Nordeste, segundo Lebret) e Marcos Costa Lima (Economia e humanismo nos trópicos: Lebret, um precursor das relações Sul-Sul). Cada um dos ensaístas é especialista na área sobre a qual escrevereu.
Doutor em sociologia, Francisco Jatobá de Andrade – autor do texto de apresentação – conta que ao desenvolver sua tese de doutorado deparou-se “com a necessidade de estudar um pouco mais sobre a recente história econômica de Pernambuco, mais especialmente o século 20 e seu desenrolar”. Diante da dificuldade de encontrar obras que satisfizessem suas necessidade, pediu uma sugestão ao professor e economista Jorge Jatobá, seu primo. “Leia o livro do padre Lebret sobre Pernambuco”, indicou Jorge.
Francisco seguiu a recomendação – e constatou que aquele era exatamente o estudo que atendia suas necessidades. “Elaborado nos anos 1950, o livro [de Lebret] está em plena consonância com o momento histórico vivido pelo Brasil da época”, afirma ele, na apresentação. “Discussões sobre industrialização, desenvolvimento, substituição de importações, migrações internas e disparidades regionais dão a tônica da obra”.
Padre Lebret veio a Pernambuco atendendo a convite da então Comissão de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Codepe), hoje Condepe, com a incumbência de preparar um diagnóstico sobre o desenvolvimento industrial do estado e formular uma estratégia para o setor. Ele já estivera na capital pernambucana em 1947 e era amigo do pernambucano Josué de Castro, dois fatores que o levaram a aceitar o convite. “Josué despertou em Lebret um enorme interesse em visitar e conhecer o Brasil e outros países da América Latina, que, pensava ele, podiam ser laboratórios para utilizar seu método de estudo e intervenção no planejamento urbano”, afirma Teresa Sales.
Diálogos com Lebret – 60 anos depois é obra que dialoga com a economia, a “questão nordestina”, a geografia, o planejamento urbano, a educação e a história. Chega em hora oportuna – no momento em que perspectivas obscuras parecem assombrar novamente o desenvolvimento do Nordeste.