Há três séculos, o Zuphen chegava trazendo Maurício de Nassau, que em sete anos mudaria a cidade.
Luce Pereira (texto)
Greg (arte)
Obviamente, o apreço pela História não é o mesmo entre os povos do mundo, sobretudo porque muitos países entendem desenvolvimento apenas como um compromisso com o futuro. Neste caso, o passado – matéria de que ela é feita – em lugar de servir como a mais rica das referências vira estorvo ou, na melhor das hipóteses, algo apenas merecedor de indiferença. Assim, nem há o que estranhar no fato de, ontem, não ter sido feita qualquer menção aos 300 anos da chegada de Maurício de Nassau ao Recife, onde passou sete anos se dedicando a dar uma face urbana à cidade, tirando-a da condição de extrema pobreza para a de polo econômico e cultural que atraía interesses até do outro lado do oceano. Naturalmente, não se trata de trazer à discussão o que já foi desmentido por pelo menos uma dúzia de historiadores sérios – não, Pernambuco nem o Brasil estaria em melhor situação, em termos de desenvolvimento, se tivesse seguido sob o domínio dos holandeses -, mas reverenciar o legado de Nassau na arquitetura, urbanismo, artes e ciências. Na verdade, uma determinação pessoal que refletia a educação e a formação adquiridas na família de nobres e em escolas da Alemanha, seu país de origem.
A pergunta é outra: e se ao longo da História o Recife houvesse estado sob o comando de pessoas (independentemente de nacionalidade ou ideologia) com bagagem cultural e visão administrativa compatíveis com tamanhas e tantas potencialidades? Embora sejam apenas hipóteses e nada se possa provar a respeito, porque não existe o testemunho de fatos, o exemplo de Nassau e o bom senso aconselham a crer que a cidade poderia, em muitos aspectos, estar bem melhor, sim. A começar pela limpeza, uma das primeiras questões a incomodar o conde, que queria fazer do Recife uma cidade à sua imagem e semelhança: moderna, cultural, desenvolvida, arrojada – a sua Mauristadt.
A ideia de colonizador logo é naturalmente associada à de explorador e não se espera dele senão já desembarcar demostrando sua força através de um militarismo exuberante – armas, soldados, naus. Maurício de Nassau imaginava chegar a bordo do Zuphen, naquele 23 de janeiro de 1637, com a prometida armada de 32 caravelas e sete mil homens, mas tudo se resumiu a doze navios e 2,7 mil homens. Frustração à parte, trouxe o que mais interessava às suas realizações pessoais: um grupo de 46 estudiosos, que incluía seu médico particular, Willem Piso, o astrônomo George Marcgrave e os pintores Frans Post e Albert Eckhout. Estes últimos assinaram mapas, herbários e obras de arte até hoje considerados de importância única para a compreensão da História e da ciência no Brasil e no mundo. Se os fatos deixaram claro que a colonização do holandês não surpreendeu porque não mudou a estrutura do colonialismo, cultivando o modelo vigente de exploração, sobretudo da mão de obra escrava, estudiosos são os primeiros a defender o legado cultural e científico, tido como sem precedente para a época.
Com a concessão de liberdade religiosa para judeus e católicos, a construção de pontes, canais, palácios, jardins (um, botânico), ruas calçadas, observatório de astronomia e a produção de obras espetaculares contendo registros da fauna e da flora, além das telas de Post e Eckhout, o conde inscreveu a cidade entre os destinos de maior interesse de europeus no continente sul-americano. Assim, o comércio cresceu, embora a colônia não estivesse mais, ao fim dos sete anos de Nassau no Recife, correspondendo, em termos de lucro, àquilo que a já financeiramente combalida Companhia das Índias Ocidentais esperava.
O “Maurício Brasileiro”, já chamado assim, àquela altura, regressou ao país no mesmo navio, levando as riquezas que conseguiu transportar: açúcar, fumo, pau-brasil, madeiras de lei, plantas, animais, artefatos indígenas, mas, sobretudo, a produção dos seus pintores, naturalistas e cronistas. Hoje, quem quiser conhecer parte do legado artístico tem que ir a museus da Dinamarca, da França, de Paris, da Holanda e dos Estados Unidos, embora a Fundação Ricardo Brennand tenha, de Albert Eckhout, uma paisagem da Ilha Antônio Vaz e desenhos em tapeçaria. Portanto, não é possível dizer se o conde holandês amou profundamente o Recife, mas é justo afirmar que agiu como se amasse.